NOVE

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É um momento constrangedor, enquanto Pedro ajuda Vênus a se levantar e se limpar, a protegendo de Emily, que parece constrangida, com os braços estendidos tentando ajudar também.

— Você está bem? – ele pergunta à namorada.

— Claro – ela revira os olhos – Quem não fica bem cheirando a café frio?

Então eu sei que Vênus está bem, porque seu tom reclamão está em estado perfeito. Não sei se Pedro está, porque suas bochechas estão rosadas e ele cerra os olhos para Emily. Ela recua dois passos e ergue o queixo, talvez para olhar Pedro de maneira mais direta, talvez porque ela é uma dessas pessoas que não tem medo de nada. Ou, muito possivelmente, porque ela não sabe que Pedro é um Vale, muito menos o que os Vale têm de poder nessa cidade.

— Então – ele fala, passando o braço pela cintura de Vênus – o que está acontecendo?

— O que geralmente acontece quando falo de Lilian para alguém – Emily resmunga – Eu não... não fiz nada com sua... – ela para, franzindo o cenho – girlfriend? – completa, me fazendo perceber que suas reticências são uma busca por palavras em português.

Pedro cerra tanto o olho que quase não dá para ver sua íris verde, o que é um péssimo sinal. Por isso, saio do meu papel de espectadora e entro na frente de Emily, ficando entre ela e meu irmão. Ele me encara e arqueia a sobrancelha para mim.

— Vênus só perdeu o equilíbrio e caiu – cruzo os braços – Não é a primeira vez que acontece e, possivelmente, não será a última.

— Possivelmente – Vênus resmunga retirando o braço de meu irmão da cintura dela – Tá tudo bem. Só preciso de um banho.

Meu irmão a encara, enrugando a testa de tanto que arqueia a sobrancelha. Mas o olhar de Vênus já voltou para Emily.

— Como você descobriu? – ela pergunta.

— Invadi a clínica e peguei os dados – Emily dá de ombros, como se invadir um lugar fosse tão normal quanto abrir os olhos quando acorda.

Que excelente resposta para se dar em frente ao meu irmão sempre certinho, penso, e logo em seguida vejo o rosto de Pedro expressar uma carranca horrível. Vênus, por outro lado, abre um sorriso.

— Bom... a gente podia discutir isso num lugar que não seja público e de preferência, pelo amor da Deusa, não vente tanto?

— Nós não estávamos indo para minha casa? – questiona Pedro, encarando a namorada.

— Excelente! – Vênus exclama – Então vamos.

Pela careta que Pedro faz, ele não estava contando com o fato de levar uma desconhecida, que fez sua namorada cair no meio da rua, para sua casa. Mas Vênus caminha a passos tão decididos que a única coisa que resta a Pedro é segui-la. Emily me encara franzindo o cenho.

— Não tente entender – mexo as mãos – Eles são pirados.

Emily sai resmungando meia dúzia de expressões que, acredito, sejam idiomáticas, e que não tem uma tradução específica. Ela fala tão rápido que não consigo entender a maior parte das palavras, e, de todo modo, como o caminho até a casa do meu irmão é bem curto, nenhum de nós volta a conversar um com o outro até Pedro abrir a porta de seu apartamento.

Vulcano nos recebe com um latido, corre até Vênus, mas desiste no meio do caminho, e pula sobre mim. Minha cunhada faz uma careta.

— Tô tão fedida que nem seu cachorro me quer mais – ela faz um muxoxo – Duvido que você me dá um beijo agora.

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