DEZESSEIS

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O pandemônio teria cor púrpura. Pelo menos é isso que eu penso, enquanto vejo minha sala uma bagunça, com gritos, pulinhos, nervosismo e outras tantas manifestações de ansiedade. Ou quase toda, porque Fernando continuava isolado na sala de aula enquanto todos os meus colegas esperavam no corredor para serem chamados.

Eu estava sentada no chão, com fone de ouvido, evitando contato com qualquer um deles. Era o que vinha fazendo desde que esses idiotas acharam que era uma ótima decisão me prender dentro de um quarto escuro e sem janela, com um sujeito autista, só porque eles achavam que Fernando e eu deveríamos nos beijar. E, de um modo geral, eles também me ignoravam por medo do que poderia acontecer se me provocassem além do limite.

O que, para ser sincera, provavelmente seria nada. Porque meus pais não achavam que era interessante brigar, já que não teria nenhum retorno midiático, que, basicamente, é tudo o que eles desejam agora.

— Eu não acredito que você está tão calma! – fala Pietra, se jogando ao meu lado – É o nosso futuro!

— É só um teste.

— Que vai nos dizer o que fazer no futuro!

Arqueio a sobrancelha porque não concordo que um único teste, numa única aplicação, dirá todo meu futuro profissional. Parecia fácil demais e eu me recusava a me sentir pressionada por isso. Até porque não adiantava nada surtar.

— Imagina se o teste diz que minha profissão perfeita é Engenharia? – Pietra faz uma careta e leva a mão ao estômago – Eu quero vomitar.

— Se ele disser isso, não quer dizer que você tenha que fazer. É só uma orientação, Pietra – reviro os olhos – Não uma ordem.

— Esquece – Amanda chuta a perna de Pietra – Dafne nunca vai entender. Ela é a única de nós que sempre soube o que fazer.

— Fernando também sabe – mexo no celular – E, além disso, esse teste não faz o menor sentido para mim. É uma orientação voltada pra cursos de faculdade, e eu espero não entrar numa faculdade tão cedo.

— E você acha que vai mesmo conseguir viver bem com o vôlei? – Pietra cerra os olhos para mim – Foi mal, Daf, mas você tem que ser mais realista.

— Ela não precisa ser realista. Ela é uma Vale. Se nada der certo para ela, ela vai ficar em casa, como a irmã, sem precisar nem lavar o copo que bebe água.

A raiva também tem cor púrpura. A maioria das pessoas acredita que a raiva é vermelha, mas é mentira. Vermelho é uma cor boa. Púrpura é uma cor muito mais intensa. Como a raiva.

— Eu prefiro morrer do que ser como Patrícia.

— Certo – Amanda mexe as mãos – Então você acha mesmo que vai ser atleta de ponta no vôlei? Quer dizer, Daf, não leve a mal... você é boa e tudo o mais. Mas acho que todo mundo concorda que você teria muito mais sucesso se fosse modelo.

— Exatamente por quê?

— Porque você é bonita. Muito bonita, na verdade. Insuportavelmente bonita, se quer saber – faz uma careta – Você é tão bonita que dói.

— Deve ser a claridade dos meus fenótipos que dói, Amanda – reviro os olhos – Sou clara demais. Nenhum olho aguenta tanta falta de melanina.

Pietra dá uma risadinha, mas Amanda cerra os olhos para mim.

— Sim, deve ser ótimo mesmo estar tão dentro do padrão. Nenhum bullying sofrido na vida. O sonho de qualquer adolescente.

— Amanda – reviro os olhos – Eu sou uma mulher de um metro e oitenta e sete de altura. E eu peso sessenta e oito quilos. Do que raios você está falando sobre eu nunca ter sofrido bullying? Guidom de bicicleta, vareta de pegar pipa, girafinha, o que mais você quer?

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