— Não – diz Fernando – Groot morreu.
— Groot não morreu. Não seja chato.
— É óbvio que Groot morreu. Ele morreu em Guardiões da Galáxia 1.
— Se ele morreu... – Cruzo os braços e cerro os olhos para meu melhor amigo. – Por que ele salvou a galáxia de novo nesse filme?
Fernando nega a cabeça duas vezes, seu cabelo, precisando de um corte, balançando para todos os lados com o vento forte da madrugada pontebelense. É a estreia mundial de Guardiões da Galáxia 2, e, como Fernando e eu adoramos fingir que entendemos alguma coisa da física relacionada às viagens interestelares, estávamos saindo da primeira sessão do filme.
Certo, tudo bem. Provavelmente Fernando entende mesmo de todo universo científico por trás da trama. Eu, que adoro conservar meu lado criança de quem não precisa achar explicação para todos os porquês de uma ficção, prefiro guardar minha ignorância e apenas me divertir com o enredo.
E, por isso, para mim, Groot não morreu.
Claro que a mente racional do meu melhor amigo jamais compreenderia essa lógica.
Como ele compreendia a lógica da física e da matemática e não entendia o que eu estava falando era algo que eu nunca entenderia.
— Meninos! – Karine diz, do lado de dentro do carro, chamando nossa atenção. Apesar de Fernando e eu não ligarmos dela ter entrado na sessão, Karine fez questão de só nos buscar quando o filme acabasse, não querendo nos envergonhar do que quer que seja. Como se eu precisasse de algum adulto para me envergonhar, quando já faço isso o tempo todo. – Como foi o filme?
— Seria melhor se o seu filho não estragasse tudo me explicando a lógica de que Groot está morto – resmungo, abrindo a porta do carro e me jogando no banco de trás.
— Fernando só não entende porque é tão difícil aceitar a morte. Não é isso que acontece com todos os humanos? – ele responde, sentando no banco da frente.
— Groot não é humano.
— Exato. Groot é um graveto.
— Ele não é um graveto.
— Ele é um Floral Colossus. A raça dele é muito resistente e excelente em regeneração – Fernando fala, com sua voz mecânica de sempre, mas com a entonação de quem está explicando algo muito óbvio para uma garota teimosa e burra. – Ele explode no primeiro filme, Dafne. Não pode ser ele no segundo filme. Não tem lógica.
— Ele está no segundo filme, não está?
— Não! Aquele não é o Groot – ele nega com a cabeça três vezes de novo. – Ele é muito mais burro que o Groot. Ele é um bebê.
— Groot nasceu de novo.
— Não. Groot explodiu. O que sobrou dele foi uma pequena forma que regenerou, mas não tem as memórias dele, nem a personalidade dele. Então não pode ser ele. Ele é um Floral Colossus regenerado, mas não é o Groot. Groot morreu.
— Tá bom, Homo Sapiens – resmungo.
— Certo – Karine diz, alongando as vogais. – O que vocês acham de uma porção de fritas para acalmar os ânimos?
— Fernando gosta de batata.
— Fernando é um chato – dou língua para ele.
— Fernando é legal. Dafne que é uma bobinha que não quer ver o óbvio.
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Relicário
Teen FictionVENCEDOR DO THE WATTYS 2017, NA CATEGORIA "ORIGINAIS" Dafne era uma Vale e, como tal, devia se esforçar para perpetuar o modelo perfeito de família tradicional brasileira que tinha. Pelo menos, era isso que seus pais berravam para ela, toda vez que...