Uma semana que começa ruim, não pode terminar bem.
É isso que estou pensando, quando, pela quinta vez durante aquela semana infernal, Melissa me xinga pela centésima vez, porque erro a mesma jogada pela centésima vez. Estou frustrada e meus braços pesam, e tudo que quero fazer é sentar e chorar, mesmo que eu não entenda porque quero chorar.
— DAFNE, PELO AMOR DE DEUS! – minha treinadora joga as mãos para o alto – O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM VOCÊ?
Estou tão frustrada quanto ela, por isso só solto um grunhido exasperado, enquanto pego a garrafa de água da bolsa térmica e jogo o líquido no meu rosto. Sinto a água gelada esfriar um pouco minha cabeça, mas não faz minha irritação ir embora.
— Desculpa, Mel – é o que digo, quando ela continua de olhos cerrados para mim, com as mãos na cintura – Semana de prova no Eliodora. Minha cabeça está fritando.
— Tem certeza de que é só isso? – é a pergunta que ela faz. Não tenho resposta, então fico em silêncio – Que seja! Você não está rendendo nada, então pode ir. Seus pais me mandaram um comunicado de que você precisaria mesmo sair mais cedo.
Não consigo evitar o barulho que sai da minha garganta e metade do time agora está me encarando, enquanto sinto meu rosto esquentar – de vergonha e de raiva, ao mesmo tempo. Melissa caminha até a mim e senta ao meu lado.
— Ei – ela dá um tapa leve em minha coxa – Eu sei o quanto você odeia toda a situação. Mas, algumas vezes na vida, Dafne, a gente não consegue controlar tudo. Ainda que você seja uma Vale.
— Nesse caso em específico, justamente porque sou uma Vale – faço uma careta.
Melissa arqueia a sobrancelha para mim, mas não diz nada. Não era como se eu esperasse palavras de consolo. Não era o tipo da minha treinadora fazer isso, e, de todo modo, a não ser que acontecesse um milagre ou o mundo acabasse, e eu não fosse obrigada a fazer a maldita sessão de foto, não achava que coisa alguma no mundo poderia me consolar.
— Justamente – ela diz, depois de um tempo – Então vá lá e faça isso o mais rápido, e da maneira mais eficaz, do jeito que só os verdadeiros Vales são capazes de fazer – força um sorriso – Você já enfrentou o time do Rio de Janeiro inteiro e quase quebrou o nariz. Pode lidar com alguns flashs, não é?
Resmungo, colocando minha cabeça entre os joelhos e encarando o chão da quadra. A mão de Melissa faz carinho no meu pescoço e eu não me movo, esperando que meu enjoo passe para conseguir fazer o que tenho que fazer.
— Talvez isso seja bom para o time. Um pouco de boa publicidade, pra variar, pode chamar atenção de patrocinadores. E talvez seja bom para você, Dafne.
— Eu não quero ser modelo – engulo em seco, sentindo a vontade de vomitar aumentar.
— Eu sei. Você é uma atleta maravilhosa, mas essa vida não é nada fácil. Não é só ter talento. É também saber aproveitar as boas oportunidades. E ter muita, muita sorte. Eu vi poucas como você jogar, garota. E seria uma pena não te ver brilhar o que tem pra brilhar – ergo o rosto e encaro minha treinadora, porque ela raramente elogia alguém e isso me pega desprevenida. Ela sorri – Você conhece a velha história clichê, não é? Se a vida te oferece um limão, você faz...
— Uma tequila sem açúcar – completa Lavínia, pegando uma garrafa de água ao meu lado.
— Lavínia! Dafne é menor de idade!
Mas ela apenas dá um sorriso e volta para a quadra, para seu treinamento específico de levantadora. Melissa revira os olhos.
— Essa garota... sinceramente. Eu ia falar para fazer uma limonada. Faça uma limonada, entendeu? Nada de álcool na minha equipe.
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Relicário
Teen FictionVENCEDOR DO THE WATTYS 2017, NA CATEGORIA "ORIGINAIS" Dafne era uma Vale e, como tal, devia se esforçar para perpetuar o modelo perfeito de família tradicional brasileira que tinha. Pelo menos, era isso que seus pais berravam para ela, toda vez que...