O sol esquenta tanto meu rosto pela manhã que acordo com a sensação de ter dormido sobre uma frigideira. Merda. Eu sempre esqueço a droga da cortina aberta quando durmo na casa do Pedro, mesmo sabendo que o sol nasce bem acima das janelas do quarto. Então, quando abro os olhos, meu quarto todo está tão dourado e claro que eu resmungo e fecho os olhos, sentindo a claridade queimar meu olho também.
Que ótimo. Um excelente dia para se começar com um belo whiteproblem berrando na nossa cara.
Melhor ainda é saber que você perdeu a hora da sua aula, quando pega seu celular.
— Pedro! – eu xingo com o primeiro nome que me vem a mente.
A porta do meu quarto é arranhada por Vulcano e suas patas enormes, já que agora eu chamei o seu dono. Resmungo, mas antes mesmo de sair da cama e deixar que o cachorro do meu irmão a destrua (ele adora pular nos móveis quando Pedro não está olhando – e, na verdade, nas pessoas também), a porta se abre e meu irmão aparece carregando uma bandeja.
Os olhos dele estão tão claros que quase chegam a doer. Todos os Vale nasceram com olhos verdes, um acaso da genética que seria difícil de explicar se meus tios não fossem preconceituosos o bastante para ter focado sua busca em mulheres brancas e ricas, obviamente. Mas nenhum olho é tão claro e intenso como o do meu irmão.
— Bom dia, Pinguinho – ele diz, enquanto Vulcano o atravessa correndo até a cama.
— Eu perdi a hora da aula! – resmungo.
— Eu vi – ele dá de ombros.
— E você deixou?! – eu teria caído com essa frase, caso não estivesse sentada na cama.
Ele dá de ombros e coloca a bandeja sobre a cama.
— Achei que estava muito cedo para panquecas, já que você é uma atleta e tudo o mais – ele fala, sua bochecha ficando um pouco rosada – Então temos: cappuccino com a receita da Lua, embora não tão bom quanto o dela, é claro – dá de ombros – E um misto-quente.
Eu pisco, mas antes que respondo, Vulcano deixa algo cair sobre a cama e late duas vezes. Quando eu o encaro, ele late de novo.
— Ah, sim – Pedro sorri torto – Parece que Vulcano queria mesmo te entregar isso – aponta o jornal sobre a cama – Embora tenha babado em meio jornal na sua tentativa – faz uma careta.
Dou uma risada e abro o jornal, pelas partes que a língua de Vulcano não deixou molhada. Sinto um aperto no estômago porque não estou preparada para ver outra notícia idiota sobre mim, mas a manchete na seção de esportes, em letras garrafais preto me deixam tão zonza que eu seguro o lençol da cama com força.
DAFNE VALE: UMA ESTRELA EM ASCENÇÃO?
— Isso é sério? – eu falo, beirando a histeria.
Pedro tira o jornal da minha mão, coça a garganta uma vez e então lê:
— "Dafne tem muitos talentos, e isso é inegável. Talvez ela chamasse sua atenção pela beleza clássica e o jeito aristocrático que olha para as pessoas. Mas, no jogo contra o Rio de Janeiro, na pequena cidade de Ponte Belo, MG, não era a beleza de Dafne que estava em foco. Mas a sua intimidade com a bola. A garota, de apenas dezessete anos, foi a principal jogadora e, mesmo que seu time, o despretensioso Ponte Belo, que está no seu segundo ano na Liga Feminina de Vôlei, perdeu a partida para o Rio de Janeiro, a garota foi a maior pontuadora do jogo. Ao que parece, ninguém consegue parar Dafne Vale quando ela quer. "
Meus olhos enchem de lágrimas e meu irmão pisca para mim.
— Tem mais! – ele fala, empolgado – "Esse é o primeiro ano de Dafne no time principal, ainda que ela tenha brilhado nos times de base nos últimos anos e ganhado todos os títulos individuais que uma jovem jogadora pode almejar. Mas, se a garota estava nervosa por enfrentar o melhor time da Liga, não deixou transparecer hora nenhuma. A canhota de Dafne é, talvez, a coisa mais poderosa que uma garota de sua idade pode produzir. Seus ataques chegaram a uma velocidade de quase 90 km/hora. E ela pulava tão alto que, por melhor que o bloqueio do time adversário fosse, ninguém conseguia fazê-la errar. Dafne Vale é, talvez, a grande promessa do esporte no Brasil. Uma estrela em ascenção. Que não está disposta a parar até chegar no topo. Salve-se quem se meter em seu caminho!"
VOCÊ ESTÁ LENDO
Relicário
Teen FictionVENCEDOR DO THE WATTYS 2017, NA CATEGORIA "ORIGINAIS" Dafne era uma Vale e, como tal, devia se esforçar para perpetuar o modelo perfeito de família tradicional brasileira que tinha. Pelo menos, era isso que seus pais berravam para ela, toda vez que...