OITO

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A Garota-Dos-Cabelos-Azuis continuava me olhando, com a testa cada vez mais franzida, enquanto eu piscava sem parar tentando compreender como chegamos ali: falando da minha cunhada.

— Dafne! – Karine diz, pulando do carro – O que houve? – e passou por mim até Fernando que continuava no chão, balançando-se para frente e para trás.

— Nós ficamos presos num quarto escuro, Karine – digo metade da verdade, porque a outra metade é indigesta demais. Karine não precisava saber desses detalhes. Seria um pandemônio se ela soubesse. E eu queria evitar confusão. Confusão atrai fotógrafos. E fotógrafos atraem notícias. E notícias atraem comentários idiotas da minha família. Não, obrigada, eu passava bem sem estar estampando nenhuma capa de jornal por um tempo – Eu não consegui acalma-lo. Me desculpe.

Karine passa a mão pela cintura do filho e o levanta. Era incrível porque ele é bem maior do que ela, mas ela o carrega até o carro sem dar nenhum sinal de esforço. Ela é uma mulher incrível. Eu queria ter sido filha dela.

Ao invés disso, eu era uma Vale. E todo mundo achava que eu devia ser muito grata por isso.

— Você vem? – ela pergunta, porque não me movo – Posso te deixar em casa, se quiser.

— Eu tô indo pro Pê, tia – respondo.

— Eu posso te deixar lá...

— Ahn... – Emily ainda me encara, quase sem piscar, e eu puxo minha blusa para baixo tentando me manter o mais calma possível – Não, tudo bem. Vai me fazer bem andar um pouco.

— Tem certeza? – Karine franze o cenho – Essas ruas podem ser perigosas a essa hora da noite.

— Qualquer coisa eu ligo pro meu irmão, sem problemas – levanto a mão – Me avise quando ele melhorar? – olhei para dentro do carro. Fernando já não se balança mais, mas isso não queria dizer que estava quieto.

— Me avise quando chegar na casa do Pedro – ela fala e fecha a porta, saindo com o carro no segundo seguinte.

Então estamos só eu e a garota dos cabelos da cor dos olhos. O vento está forte e meus próprios cabelos dançam a minha frente, batendo em meu rosto. Evito um grunhido segurando-os com a mão e amarrando-os com a gominha que carrego no pulso para onde vou. E encaro Emily novamente:

— Você conhece ou não? – ela repete, agora balançando os pés – Quer dizer, estou tentada a achar que não existe esse nome e que erraram, ou deram um nome falso, ou alguma coisa assim. Mas se você é daqui suspeito que pode me dizer? Me pouparia um pouco de trabalho.

— Ahn... – minha garganta se fecha enquanto tento decidir se posso ou não falar sobre Vênus para uma estranha. Eu não sei até que ponto o passado da minha cunhada foi legal, a julgar pelo tanto de confusão e drogas que ela se meteu no último ano, e não conheço Emily o suficiente para confiar nela. Tudo bem, ela me tirou daquele quarto escuro e socou o garoto da minha sala. Mas, mesmo assim, ela era uma desconhecida. Uma desconhecida com cabelo legal.

— Certo, tudo bem – ela sacode os ombros para cima e para baixo – Eu me viro. Valeu.

E, então, gira nos seus pés, atravessando a rua sem olhar para trás.

Ah, merda.

Estou parada no meio da calçada, um tanto perdida, apesar de saber onde estava, sozinha e desnorteada. Minhas mãos tremem e não tem nada a ver com o vento cada vez mais forte e gelado que atravessa meu corpo. Antes que eu percebo, corro atrás da garota.

Ela não para de andar mesmo quando eu a alcanço, e caminhamos lado a lado em silêncio por alguns segundos.

— O que você quer com Vênus? – pergunto, por fim.

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