SETE

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Não entre em pânico. Não entre em pânico. Não. Entre. Em. Pânico.

— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA – berra Fernando ao meu lado – AAAAAAAAAAAAAAAAAAA.

Ok.

Estou em pânico.

Essa merda de lugar é abafada, escura, pequena e meu melhor amigo autista está berrando ao meu lado, enquanto se debate. Eu chuto a porta com toda a minha força e então sou eu que estou gritando, porque usei força demais.

Que ótimo.

Pego meu celular, mas é óbvio que numa situação dessa, quando a gente mais precisa, não tem cobertura. Bufo exasperada porque tenho certeza de que meus pais pagam um plano caro demais para essa merda de operadora não funcionar. Fernando continua gritando, cada vez mais alto, e eu chuto a porta novamente, mesmo que isso vá acabar com minhas pernas. Penso nisso depois. Penso em qualquer coisa depois. Agora eu só quero sair daqui ilesa e, principalmente, com meu melhor amigo ileso também.

— Pelo amor de Deus! – eu berro – Vocês tem merda na cabeça?

Mas ninguém me responde, o que só comprova o fato de que estou ferrada. Estou ferrada pra caralho. E quero chorar.

Sinto meus olhos se encherem de lágrimas no mesmo instante, mas mordo o lábio inferior porque não vou dar esse gostinho para nenhum dos meus colegas de sala. Eu sou uma Vale – repito para mim mesma, uma coisa que estou sempre tentando evitar de dizer – Eu sou uma Vale e sou melhor e mais forte do que tudo isso. Ninguém vai me destruir a ponto de me fazer chorar. Ninguém.

Então chuto a porta de novo.

— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA – Fernando continua gritando.

— Fernando! – eu berro – Cala a boca!

É claro que ele não para. Na verdade, minha ordem só piora, e sei que não devo ficar com raiva dele, e sei que não é culpa dele, e sei que seus gritos não são propositais, mas mesmo assim tenho vontade de socar a cara do meu melhor amigo. Tenho vontade de socar a cara de todo mundo. Tenho vontade de me socar por ter vindo para essa maldita festa. Então eu soco a porta.

— Merda – grito com toda minha força, mas sei que é inútil porque estamos numa festa, o som está alto e todas as pessoas que poderiam me ajudar foi quem nos colocou nessa situação – Fernando! – eu berro mais alto que ele – Você não tem nada afiado aí não?!

Então faço uma careta, porque como resposta ele grita ainda mais agudo.

Merda, merda, merda. Bem dizia meu primo que uma mulher prevenida sempre tinha grampos na bolsa. Mas nem bolsa eu tenho – o que é que estou falando?!

Meus olhos se enchem de lágrimas de novo e chuto a porta para me manter ocupada. Sei que não vai adiantar nada. Que não sou forte o bastante. Que é uma droga de madeira e tem uma merda de festa do outro lado. Mas preciso fazer alguma coisa. Alguma coisa para não me sentir tão inútil e impotente. Alguma coisa que me impeça de chorar.

E alguma coisa acontece.

A porta se abre num rompante, o que me faz encolher por causa do susto, da luz e do som que fica muito mais intenso. Fecho os olhos com força.

— Vamos logo! – diz a voz feminina me puxando para fora do pequeno quarto – E você também, maluquinho – e puxa Fernando que, como esperado, grita ainda mais – E vocês, deem o fora daqui antes que eu chame a polícia e seus pais verão que tipo de festa vocês curtem.

— Ei! – grita Filipe – Com que direito você vai fazer isso?

— Com o mesmo desse aqui!

Abro o olho bem a tempo de ver um soco acertar o rosto de Filipe, o impacto o fazendo ficar com uma cara engraçada que roteiristas de quadrinhos adoraria desenhar. Uma roda se forma, com todos os rostos conhecidos da minha sala, e todos gritam, tão alto quanto Fernando, mas estou silenciosa enquanto encaro a garota que me salva.

RelicárioOnde histórias criam vida. Descubra agora