— Dafne! – Melissa berra. – Você vai jogar essa bola ainda hoje ou teremos que esperar a princesa decidir?
Respiro fundo. É a primeira vez, desde que apanhei, que estou pegando na bola de vôlei. Fiz os treinos físicos na semana passada e os exames técnicos, mas não tive coragem de tentar lançar a bola. Estou com medo. É a primeira vez que tenho medo de jogar e é isto que está irritando minha treinadora.
— DAFNE!
— Dá um tempo, Mel. É aniversário dela. – Lavínia revira os olhos. – E tu num percebeu que ela tá nervosa? Liga pra ela não, Daf. Os exames deram tudo ok, você foi bem no treino físico, só soca essa bola o mais longe que conseguir. Te pago um café se tu acertar a cesta de basquete.
— Um café?
— Dá um tempo você também, que um café é tudo que posso pagar, senhorita Vale.
— Albuquerque – conserto e Lavínia ergue a sobrancelha para mim.
Não explico. Não explico para ninguém o que me fez sair de casa e ninguém tem coragem de perguntar, assim como ninguém teve coragem de escrever sobre o assunto. Mas desde aquele dia não assino mais Vale. Uso o sobrenome da minha mãe. Que não é muito melhor do que meu pai, já que não me procurou nem quando voltei pra Ponte Belo, mas, pelo menos, não me espancou até me quebrar por inteira.
Não foi necessário ir ao tribunal, de todo modo, como Pedro ameaçou. Meu pai nunca daria a chance de um escândalo piorar as investigações contra a família. A única coisa que meu irmão ainda negocia é o controle da minha carreira de atleta, mas não sei se meu pai vai abrir mão tão fácil disso. E Pedro nunca me diz o que está acontecendo nas reuniões com o advogado.
— Uma família rica por outra. E eu aqui... sonhando com o dia que minha vó rica vai aparecer na porta do meu barraco e dizer que sou princesa de um país pequeno com IDH maravilhoso.
— Princesa? Você? – a encaro.
Ela cruza os braços para mim e empina o queixo, então pisca. Acho que estou ficando corada, mas tudo desaba antes que fique mais forte com o soar do apito de Melissa bem no meu ouvido. Eu dou um pulo. O time inteiro ri e Lavínia gargalha.
— Desculpa atrapalhar o romance, mas a gente não tem o dia inteiro.
— Não sou mulher de romance, treinadora – Lavínia passa por nós. – Meu negócio é um lance.
— Alerta de cilada – Melissa brinca, dando um sorriso tão pequeno e rápido que quase duvido do que vi. – Agora vai, Dafne. Você não quer mesmo passar o seu aniversário inteiro nessa quadra, né? Pelo amor de Deus, é domingo! É só pra gente ter uma ideia de quando você volta.
E se for nunca? Penso. Mas não digo. Ao invés disso, jogo a bola para cima e pulo para sacar. Está longe da minha força total e ela apenas bate na rede e cai pro outro lado da quadra, no instante que volto para o chão da quadra. Então, sinto a dor se alastrar pelo meu corpo e grito, ao mesmo tempo que as companheiras de clube gritam também, mas por eu ter conseguido sacar.
— Dafne? – a mão de Melissa alcança meu ombro, mas não é ali que dói. O braço quebrado está perfeito. – O que está doendo?
— As costas – inclino meu corpo e seguro os joelhos, olhando pro chão da quadra. A mão dela desce e alcança minha lombar, massageando. Eu arquejo quando ela encontra o ponto de dor.
— Você ainda não está pronta. Mas vai ficar. Ok? Não duvide disso. Só tem dois meses que tudo aconteceu e sua recuperação está rápida, mas ainda não está perfeita.
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Relicário
Teen FictionVENCEDOR DO THE WATTYS 2017, NA CATEGORIA "ORIGINAIS" Dafne era uma Vale e, como tal, devia se esforçar para perpetuar o modelo perfeito de família tradicional brasileira que tinha. Pelo menos, era isso que seus pais berravam para ela, toda vez que...