TRINTA E DOIS

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Não consigo dormir, porque tento perceber todos os sons que ocorrem na casa. Por alguma razão, espero que meu irmão brigue no quarto ao lado. Ele é bastante explosivo quando algo não sai como ele acredita que deveria sair. Mas não há nada. Nenhuma conversa. Sei que ele fala baixo, mas Vênus tem uma voz aguda e, se estivessem conversando, eu saberia. Só há silêncio. É angustiante.

O quarto fica cada vez mais escuro com o passar da madrugada e depois vai clareando aos pouquinhos com o início de um novo dia. Acho que cochilo em algum ponto desse intervalo, mas não descanso. Todo meu corpo espera por uma briga e a adrenalina não me deixa desligar, assim como meu coração continua disparado, mesmo que eu esteja no lugar que sempre me senti segura na vida.

Então, os primeiros movimentos ocorrem. Não me mexo, esperando que as vozes apareçam. Mas, de novo, meu irmão conversa muito baixo. E Vênus não é a melhor companhia antes das dez. Há só um barulho distante de vasilhas e portas sendo abertas e batidas, o chuveiro ligado, o despertador da minha cunhada no último volume, uns resmungos eventuais de Pedro e, de novo, silêncio.

Sei que devo me levantar, mas não consigo. Encaro o relógio ao lado da cama vendo os números aumentarem e se aproximarem da hora da minha aula. Já são sete e dez. Está tarde demais para meu irmão vir ao meu quarto. Algum ponto da minha mente diz que tudo bem, ele devia estar atrasado. Mas metade de mim é pânico puro, porque pode significar que ele não me ama mais.

— Ei, você – Vênus diz, abrindo a porta do quarto de supetão. – Pedro pediu para te acordar.

— Onde ele está? – Me sento.

— Atrasado para uma aula desnecessária, suponho. – Ela dá de ombros. Antes que eu sinta a desolação me atacar, completa: – Mas ele fez seu cappuccino e panquecas. Era para eu trazer para você, mas, por favor, quem disse que sou obrigada? – Ela revira os olhos e sai do quarto. – Vou terminar de me arrumar, porque também estou atrasada.

Estou confusa, mas não tenho tempo para pensar, por isso me visto com o uniforme antes mesmo de ir ao banheiro. Há olheiras abaixo dos meus olhos e eu tenho uma expressão cansada de quem não dormiu tão bem quanto deveria. Mas, fora isso, pareço igual a todos os dias.

E é estranho.

Eu me sinto muito diferente.

— Emily já foi? – pergunto, quando entro na sala e percebo que o sofá não só está vazio, como não há sinal de que alguém dormiu ali.

— Quando acordei já estava assim – Vênus diz, colocando o café na sua caneca. – Acho que devíamos esperar por isso. Emily parece ser do tipo que não se agarra a lugar nenhum, nem a ninguém.

— Acho que ela é agarrada em um lugar e em alguém sim, na verdade – digo, pensando em como ela já falou sobre Dublin e seu melhor amigo. – Mas não aqui.

Não há nenhum indício na casa ou na expressão da minha cunhada que a noite de ontem aconteceu, e não sei se isso me causa alívio ou angústia. É um pouco dos dois. Eu suspiro.

— Daf, relaxa. – Ela se aproxima de mim, batendo no meu ombro. – Foi só um beijo.

— Você sabe.

— É claro que eu sei. – Revira os olhos, pegando o celular e a mochila em cima do balcão. – Sou eu que guardo segredos, não seu irmão. Foi culpa minha. Eu que acordei a noite e irritei o Pedro pra vir pegar água para mim, porque estava com preguiça demais.

— Como ele está?

Ela sacode os ombros.

— Vênus! Você não vai bancar a sensata e discreta agora, não é?

RelicárioOnde histórias criam vida. Descubra agora