Capítulo 2

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AMANDA

Acordei pela primeira vez depois de um longo tempo sentindo o amargo em meus lábios e um frio cortante que parecia vir do meu ventre. Insegura, passo a mão por minha barriga desejando por um momento que o bebê desse um sinal de vida, de que estava comigo – a péssima mãe – em uma ida sem volta, para a Colômbia. Parte de mim não queria absolutamente acreditar que depois de um longo tempo naquela montanha russa – que era estar perto de Maluma – que eu tinha novamente caído naquele jogo.

Assim, o interminável jogo de ser prendida em seus olhos e cumprir ao final o desejo murmurado de seus lábios. Suspirando, passo quase que automaticamente minha mão novamente em meu ventre, o bebê era tão tranquilo que muitas vezes eu confundia seu ligeiro movimento com cólicas intestinais. Na verdade, algumas vezes a coisa parecia uma luta de king box no meu útero, esticando-se como se a intenção fosse abrir seu caminho por entre a pele estriada.

Estrias era meu novo lema de viver, com a gravidez elas começaram a aparecer como a peste negra em minha barriga e quadril, ainda pensando nisso – encaro meus pés inchados presos em minhas sandálias gladiadora – meu corpo mudou com a gravidez, "marcas de guerra" diria mamãe, agora eu entendia muito disso.

Finalmente acordada em meu inferno pessoal, faço a poltrona de couro brilhante do avião particular de Maluma voltar-se a posição original, e como se o diabo fosse invocado pela força do meu pensamento, Maluma abaixa o tablete de sua mão e encara-me pensativo, mil e uma perguntas em seu olhar, mil e uma resposta começando com "Foda-se" passam rapidamente em minha cabeça fazendo-me engolir em seco com o desejo de querer gritar o que enterrei dentro de mim mesma há muito tempo.

Como se ele tivesse essa chance – esnobo ao encarar firme seus olhos – o bastardo parecia rir internamente do meu desconforto atual, se ele apenas soubesse como eu planejava vomitar em sua perfeita e alinhada camisa social branca na próxima vez. E novamente, sinto que minhas palavras foram atendidas, a ânsia queima em meu estomago fazendo-me sentir culpada pelos biscoitos de limão com pasta de amendoim e cereja que comi no café da manhã.

_Você está bem? – ouço-o dizer, sua voz de whisky arrepia minha pele trazendo lágrimas em meus olhos, odiava cada vez mais meus hormônios idiotas.

_Sim – declaro tentando soltar meu cinto idiota, vejo as mãos de Maluma aproximarem-se e acabo escutando minha voz momentos depois de ter falado – Eu consigo sozinha, não sou retardada.

Maluma está sério e senta-se novamente em sua poltrona, levanto-me um pouco tonta e sigo para o banheiro, tropeço algumas vezes no caminho e sou obrigada a olhar para trás, para os frios olhos tempestuosos prometendo algo muito maquiavélico para meu comportamento idiota.

Sento-me no vaso e começo a respirar lentamente soltando o ar pela boca, será que podia ficar pior? Uma batida soa forte na porta do pequeno banheiro algum tempo depois da minha décima canção da Ivete Sangalo, o que me assusta instantaneamente. Eu tinha estado tão distraída. O destino é uma vadia rancorosa – penso ao encarar a porta.

_Abra – manda Maluma.

_Será que uma mulher grávida não pode fazer xixi em paz? – praticamente grito as palavras.

_Você está nesse banheiro há 30 minutos – diz ele sério, seu tom deixando bem claro que ele provavelmente tinha cronometrado cada maldito minuto.

_Estou bem aqui – respondo novamente tentando continuar com meu mantra.

_Ou você abre a porta Amanda – diz ele, seu tom aprofundando-se em meu nome, fazendo-o soar muito como Amán-dá – Ou vou abri-la, você escolhe.

Ele não tinha como abrir a porta, certo? Era trancada por dentro, mas esse homem nunca fazia promessas em vão, embora, droga...

_Então? – questiona ele novamente, sua voz letal arrepiando minha pele.

Deus, como eu odiava esse homem.

Abro a torneira e molho um pouco meu rosto antes de abrir a porta e tentar passar por ele que preenchia cada espaço da saída. Não me lembrava dele ser tão grande.

_Deixe-me passar – digo sem encarar seus olhos, sinto seu corpo aproximar-se do meu e novamente sinto o arrepio, meu coração bate descompassadamente e minha vagina, oh droga! Hormônios! – Quero passar, agora.

_Você está muito tensa, não é como se eu fosse atacar uma mulher grávida – diz ele debochado, sua perfeita sobrancelha inclinada para cima.

_Escute amigo – começo irritada e sua mão levanta-se acariciando levemente minha bochecha.

_Suas bochechas estão avermelhadas – diz ele perdido em algum lugar dentro de sua cabeça – Desde quando somos amigos?

_Não somos amigos – corto rápida, um pouco envergonhada, com raiva e triste. Eu estava tão confusa que minha fome atacou meu estomago novamente.

_E o que somos Amanda? – pergunta ele, encurralando-me na parede do banheiro, nossos narizes milímetros de tocarem-se, nossos olhos formando uma ponte magnética entre nós.

_Não somos nada Juan – digo séria, meu coração torcendo-se em dor em cada palavra – Poderíamos ter sido algo, mas você destrói tudo o que toca, só espero manter meu bebê intacto.

Sinto seu abalo junto com a culpa e faço meu maior esforço para passar por ele, sua mão segura meu braço e paro estática, com medo de suas próximas palavras, mas o que ganho é somente um longo silêncio olhar para depois sentir seus dedos soltando-me devagar, quase como se ele tivesse perdido a força.

Volto para minha poltrona um pouco abalada, minha mente gritando algo sobre "eu ser uma cadela grávida sem coração", mas como eu poderia ter? – penso chorosa – se Maluma tinha pisoteado o coitado e deixado um desastre por dentro?

Encaro as nuvens cinzas pálidas pela janela redondinha do avião, totalmente desolada e sentindo-me sozinha no mundo. O caminho a ser percorrido parecia ser uma batalha sem volta, pergunto-me se as coisas poderiam ser piores e me deleito finalmente em um sono profundo ao recordar que eu já não estava mais sozinha, não, quando lembrava que um anjo crescia em meu ventre a solidão se dispersava.

Mãos geladas acordam-me subitamente, encaro Maluma com um sono que não é de Deus. Ouço algo como "chegamos" de seus lábios e tento em vão voltar à posição confortável que eu tinha estado no banco. O ar estava frio apesar de o dia em Medellín vibrar em cores quentes, tudo me parece exatamente como eu me lembrava, as pessoas continuam a caminhar rapidamente pelas ruas, uma mistura de culturas e músicas chocavam-se por todos os lados. Ou talvez fosse apenas um choque ao andar novamente por um aeroporto latino.

Arrastada para dentro de uma Ferrari preta fosca, encaro Maluma que dirige em silêncio absoluto por ruas que eu não me lembrava. Obviamente, percebi após fixar meus olhos no novo portão, que Maluma havia mudado de casa. Adeus residencial dos ricos e famosos. Olá mansão exuberante maior que um quarteirão!

Ele só podia estar brincando – encaro Maluma entrando graciosamente pelos portões altos onde quatro homens gigantescos estavam fortemente armados – aquilo não podia estar acontecendo. Tantas grades elétricas no muro – encaro, ao acompanhar os arrames infinitos.

_Seja bem vindo senhor – diz um senhor de idade vestido de terno abominavelmente alinhado e brilhante, parado no meio do caminho – Senhora.

_O que significa isso? – pergunto para mim mesma, sem obter uma resposta, mas claramente Maluma não deixaria a oportunidade de um abalo emocional passar.

_Seu novo lar – diz ele dando-me as costas e afastando-se.

Essa era uma prisão de grades elegantes, exuberante, estagnante e ainda assim, meu novo confinamento.

Doce RedençãoOnde histórias criam vida. Descubra agora