Capítulo 07 - Se eu te pego...

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Um conselho: não confie nas pessoas.

Muito menos nas que se dizem serem seus "melhores amigos". Um dia ou outro eles ainda vão te colocar frente a frente com a morte.

Assim que Leandro apontou para mim e disse que eu era ele, disparou feito rojão de festa junina para o quinto dos infernos, tão rápido que nem tive tempo de acompanhar sua fuga e já fui logo sendo agarrado pela gola da camisa.

A vantagem de estudar em uma escola de fofoqueiros se mostrou útil quando, no mesmo segundo em que a mão imensa se fechou para me acertar, não tive tempo de abrir a boca para tentar dizer que eu não era o desgraçado do meu amigo (quantas vezes mais eu ia ter que apanhar no lugar dele?!), pois o segurança apareceu ao lado de um integrante do grêmio estudantil.

— Esse homem não estuda aqui, por favor retire-o do nosso ambiente acadêmico — ordenou o garoto franzino, apontando para o encanamento de um quilômetro que pretendia ceifar a minha vida.

— Venha comigo se não quiser ter problemas — ponderou o segurança em um tom de voz bem longe de amigável.

O trocador de lâmpada de poste olhou para o segurança, viu que tinha um braço maior que o seu, então me soltou, apontou o dedo para mim e disse:

— Torça para eu não te encontrar na rua, pivete. Se eu te pego sua vida fica curta.

— Eu não sou Leandro! — afirmei, irritado.

Vagamente percebi o murmurinho e risadinhas dos alunos que estavam ali por perto. Parece que eu proporcionei algum entretenimento, afinal.

O anabolizante humano saiu escoltado pelo segurança. O garoto miúdo do grêmio estufou o peito e os seguiu.

Pela segunda vez na noite, uma pessoa de baixa estatura com cerca de quarenta e cinco quilos me salvou de um infortúnio. Esse pensamento me fez olhar para a entrada dos bastidores.

Por mais que essa ceninha toda tenha se desenrolando em cerca de dez segundos, foi tempo suficiente para Sabrina sair de lá. Então mirei os olhos para a saída do auditório. Bem aí, avistei um vulto cor de rosa desaparecendo.

Na segunda-feira, Leandro apareceu na escola todo arrependido.

— Foi mal, Fernando. Eu tava apavorado. O namorado dela ia me matar! — ele fez cara de horrorizado, arregalando os olhos, e se inclinou sobre a mesa dramaticamente, enfiando as mãos nos cabelos.

— Ah, beleza, tudo bem então se ele me matasse.

Leandro deu um sorrisinho sem graça.

— Desculpa mesmo. Eu não queria te meter nessa. Você é meu irmão. Sabe disso, não sabe? ­— e deu duas batidas no lugar onde mais ou menos fica o coração.

Eu que não queira ser irmão dele. A amizade já estava me saindo muito cara.

Mas ia relevar aquilo.

Leandro costumava ser uma pessoa decente, mas assim que entrou no ensino médio e começou a receber muita atenção feminina, deixou isso subir para a cabeça.

Com a aparência típica de um cara popular desses filmes de escola, e sendo o jogador camisa dez do time de futebol principal do interclasses, o público feminino caía nas graças dele facilmente.

Apesar desse jeito torto, eu o conhecia há tempo suficiente para saber que, no fundo, ele era apenas alguém carente de atenção. E como eu não queria ouvir nenhum melodrama agora, era melhor encerrar o assunto.

— Esquece isso — falei, dando a conversa por encerrada para prestar atenção na aula.

Era aula de história, uma das que eu realmente me interessava. E eu queria muito ouvir o que a professora Rose estava explicando sobre a Revolução Francesa. Eu reconhecia aquela pintura no slide, era a capa de um dos álbuns da banda Coldplay, uma das melhores do mundo. Mas Leandro não parava de falar.

— Cara, já deu pra mim — ele fez um gesto com a mão de "tô por aqui" no pescoço. — Eu nunca mais vou me envolver com nenhuma garota.

Que grande mentira.

— Calem a boca, seus inúteis, estão me atrapalhando — Catarina ordenou, virando-se na cadeira para nos lançar o conhecido olhar de desprezo que só ela tinha.

Leandro deu de ombros e começou a rabiscar a mesa. Também não dei a mínima.

Catarina era insuportável e metida a besta. Está previsto na lei ter uma colega assim e toda classe tem.

A palavra "metida", me remeteu à imagem de uma certa pessoa de nariz afilado.

Aquela garota estava impregnada em minha mente feito uma praga. Tornou-se frequente eu me pegar associando coisas do meu dia a dia com algo relacionado a ela.

Definitivamente, eu tinha que falar com Sabrina. Duas semanas era tempo suficiente para ela superar a vergonha da confusão, se fosse esse o caso. Mas também era tempo suficiente para eu começar a acreditar que ela agia assim porque REALMENTE não queria ter contato comigo.

Pff. Como se eu quisesse alguma coisa com ela.

Até parece que eu ia me interessar por aquela dona nariz em pé.

Ainda assim, eu insistia em querer falar com ela. Claro que não havia interesse algum. Eu só insistia mesmo caso aquilo tudo fosse pelo fato de ela se sentir mal por ter me socado. E eu não queria que ela se sentisse assim por um engano.

Por isso, naquele dia de segunda, com esses exatos detalhes: tempo nublado, horário de saída; vestindo moletom preto sobre o uniforme, all star surrado nos pés, cabelo desgrenhado pela soneca na última aula de química... fui falar com ela.

Como nascem as estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora