Capítulo 49 - Não é mais um lar

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Eram duas e trinta e cinco da madrugada de segunda-feira quando coloquei o último ponto. Isso significa que eu fui a primeira da minha turma a terminar o Trabalho de Conclusão de Curso.

Com as duas mãos no rosto, chorei silenciosamente.

Não foi uma ou duas pessoas que duvidaram que eu chegaria ao fim da faculdade. Foram várias. Teve quem achou que eu nem mesmo entraria, porque eu era mãe e esposa.

Quando repeti o semestre pela segunda vez (resultado do peso da separação), até alguns professores me disseram que seria melhor "dar um tempo nos estudos". Ou seja, me incentivaram a desistir.

Então, é, com o TCC pronto à minha frente, eu chorei. De alegria e gratidão.

— Aconteceu alguma coisa? — a voz preocupada de Fernando me fez levantar o rosto das mãos.

— Terminei o meu TCC — passei a mão no nariz, sorrindo e chorando.

Senti o sofá afundar ao meu lado e me apressei em secar as lágrimas com a manga do moletom.

— Meus parabéns. Você conseguiu — era um tom de orgulho em sua voz.

Coloquei o notebook de lado e olhei para ele.

Apesar de tarde, Fernando ainda não tinha ido dormir. Eu sabia disso porque há aproximadamente cinco horas atrás (que significa domingo às nove), ele parou de jogar videogame com Eduardo porque precisava concluir um projeto do trabalho para o dia seguinte.

O fim dessa história é que dividimos uma garrafa de café noite adentro.

Não que combinamos aquilo. Eu é que ia de intrusa na cozinha, quando Fernando voltava para o quarto, e pegava canecas e mais canecas do café que ele fez.

Fernando parou de aparecer para buscar cafeína em torno de uma da madrugada, então achei que tivesse dormido. Mas alí estava ele, com os olhos despertos. Não parecia cansado. Muito menos estava um bagaço como eu.

Como poderia estar? Para isso ele teria que ter repetido a dose todos os dias da semana que passou — foi o que eu fiz.

Semana essa em que vim me esforçando para fingir ser amigável com Fernando, pois precisava evitar suspeitas dos meus planos. Como efeito colateral da falsa mudança de comportamento, minha convivência com Fernando ficou mais leve.

Teve até um dia que em nos sentamos juntos no chão do quarto de Eduardo para ajudá-lo a montar uma torre com cartas de UNO e, quando chegamos ao final da tarefa, Eduardo exultante de felicidade, nos pegamos compartilhando risadas genuínas.

Ou o dia em que Eduardo chegou da escola com um dever de casa que pedia para a criança contornar coisas especiais no espaço em branco e Fernando e eu acabamos com a mão lado a lado enquanto nosso filho as rodeava com giz de cera.

Quando tive a ideia de passar tinta guache na mão de Eduardo, não pude adivinhar que ele a colocaria justo sobre o contorno da dos pais, tampouco pude prever a minha crise de riso quando, no jantar, vi a tinta azul em formato de mão nas costas da camisa branca de Fernando.

Assim, sem discussões entre nós, Fernando não tocou mais na questão da guarda de Eduardo, mas eu não tinha certeza de que ele não estava agindo pelas minhas costas. Fernando já havia provado inúmeras vezes que ele não era de confiança.

— E você duvidava que eu conseguiria? — questionei e me surpreendi com a leveza do meu tom de voz.

— Nunca duvidaria. Eu sei como você luta pelo que quer. E também sei que essa determinação vai te levar muito longe. — Toda a seriedade com que ele dizia aquelas palavras me fez ter certeza de que estava sendo sincero.

Como nascem as estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora