Capítulo 10 - Pode tirar, se quiser

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Meu parceiro e eu avançávamos pelos corredores noturnos da escola com passos determinados, conscientes dos riscos da missão que estávamos prestes a realizar.

Foi por acaso que vesti minha calça de camuflagem militar quando saí de casa naquele dia, mas agora eu lamentava a escolha, pois dava um tom dramático demais para uma situação tão séria.

E eu lamentava ainda mais a coincidência de o meu parceiro estar usando um boné com o mesmo padrão de camuflagem do exército.

Aonde eu estava indo? Bom, essa é uma pergunta interessante. O lugar aonde eu estava indo naquele momento, mal sabia eu, estava prestes a se tornar um lugar inesquecível. Bom ou ruim? Isso, claro, depende muito do ponto de vista.

Antes é preciso entender alguns fatos, suas ordens e suas consequências.

Em primeiro lugar, Sabrina era uma pessoa difícil de lidar. Conquistá-la, então, quase impossível.

Depois que tivemos a primeira conversa civilizada, saí do status "mais invisível que sombra em dia nublado" para "o amigo de estimação". Um belo de um avanço, se você quer saber.

No dia seguinte, quando fui devolver livros na biblioteca, me deparei com Sabrina despojada no sofá, rindo para um livro como se não houvesse amanhã.

Eu não queria forçar a barra nem nada, mas ela estava rindo para um livro. Que tipo de leitor eu seria se não tivesse ficado curioso em ver a capa?

Óbvio que eu perguntei o que estava acontecendo nas páginas para ela rir tanto. Óbvio também que ela ficou empolgada para contar a história toda. Leitores são ridiculamente previsíveis.

Descobri que era lá que ela passava o intervalo. E novamente, eu não queria forçar a barra, mas a biblioteca era de todos. Se eu quisesse passar o intervalo lá, o que ela tinha a ver com isso?

— Eu já li todos os livros dessa biblioteca. Já respirei em todas as páginas. Essa biblioteca é minha, Fernando — disse ela no dia subsequente, quando eu apareci e sugeri que ela deveria deixar espaço no sofá para outros alunos e não o ocupar por inteiro.

Nos encontramos nos intervalos seguintes, disputando espaço no sofá enquanto criticávamos a leitura do outro.

— Crônicas de Nárnia? Quantos anos você tem? Cinco? — ela fez cara de desdém para o meu livro.

— Falou a pessoa que está lendo O Pequeno Príncipe — desdenhei também. — Esse livro aí eu li aos três anos de idade.

Sabrina me dirigiu um olhar tão furioso que senti a iminência de morte.

— Para o seu governo, essa é a versão original, e, não sei se te avisaram, mas a versão original é em francês!

Tinha ainda os momentos em que ela ria no meio da leitura e eu perguntava o que era tão engraçado. Sua resposta era: "não te interessa". Então eu tomava o livro, me levantava e saía lendo.

— Me devolve, seu ladrão safado! — Ela vinha atrás, pulando para tentar alcançar o livro que eu mantinha no alto. Nossa trilha sonora era sempre um "shiii" dos alunos que estavam lendo nas mesas.

Mas nada era tão incrível quanto passear pelos corredores da biblioteca e escutar os resmungos dela do outro lado, criticando títulos e capas.

Minha parte favorita mesmo era quando, por coincidência (não tão por coincidência do meu lado), cada um retirava um livro na mesma direção na prateleira e nossos olhos se encontravam por entre os exemplares.

E tinha a parte mais divertida, quando ela tentava alcançar um livro. Ficava na ponta dos pés, esticando o braço ao máximo, mas não pedia ajuda de jeito nenhum. Alguns minutos depois ela se cansava e resmungava:

Como nascem as estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora