Capítulo 14 - Salve-se quem puder

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— Tem certeza de que não quer deixar para outro dia? — perguntei na porta da casa dela. — Você já teve emoções o suficiente por hoje — coloquei a mão em sua barriga.

Que barriga? Mesmo com três meses de gravidez Sabrina continuava com o abdômen liso.

— Tenho — ela abriu a porta. — Vamos acabar logo com isso.

Foi a mesma coisa. Fiquei no sofá esperando enquanto ela foi procurar os pais. Depois ficamos os quatro frente a frente.

— Que notícia é essa que você tem para dar? — O pai dela perguntou impaciente, depois de algum tempo sem que nada fosse dito.

Sabrina continuou quieta, olhando para um ponto qualquer. Em seu colo, ela apertava os dedos de uma mão e depois da outra, repetidamente, num ato de puro nervosismo.

— Vamos. Falem!

As mãos dela pararam. O que se passava dentro dela, eu sequer conseguia imaginar, mas sabia que ela não ia conseguir abrir a boca.

Sabrina havia me dito que queria ela mesma contar, por isso eu não disse nada. Peguei a mão dela, estava molhada de suor e trêmula, apertei em alguma forma de apoio e ela me olhou. Os olhos estavam tão cheios de lágrimas que brilhavam. Quase não dava para olhar dentro deles. Desejei poder impedir aquelas lágrimas de caírem. Mas elas já estavam na borda e, inevitavelmente, transbordaram.

— Ah, não. — A mãe dela suspirou pesadamente e apoiou o cotovelo no braço do sofá para colocar a mão na testa.

Foi nesse momento que Sabrina cedeu ao desespero e começou a chorar. Baixo, mas evidente para todos na sala. A visão era dolorosa. A posição dela nem se comparava com a minha. Eu contar para os meus pais que engravidei a minha namorada era uma coisa. Sabrina contar para os pais que estava grávida, era outra. As consequências para ela seriam muito piores. Injusto.

— Ah, não o que, Ingrid? — ele olhou da esposa para a filha.

Ninguém disse nada.

— Por que está chorando, Sabrina? O que está acontecendo aqui?! — exigiu, agora completamente sem paciência.

— Pai, eu... — Sabrina tentou dizer, mas nem conseguia parar de chorar.

— Você o que, Sabrina? Eu quero saber agora!

— Não acredito — a mãe dela disse mais para si mesma, meneando a cabeça, mas com um tom de voz acusatório.

Ele olhou para ela.

— O que você sabe Ingrid?! — depois olhou para Sabrina. — É melhor alguém explicar logo o que está havendo aqui! — Então ele olhou para mim.

Foi nesse exato instante que eu quis desistir daquilo. Eu quis pegar Sabrina pela mão, sair dali e... e o que? Havia uma bomba me esperando em casa. O que eu poderia fazer? Para onde eu a levaria? Eu sabia que assim que o pai dela soubesse, as coisas entre ele e ela mudariam permanentemente.

— Pai... eu sou uma idiota... — ela agora chorava alto, balançando a cabeça para os lados. — Desculpa... eu... eu...

— Ela está grávida — falei de uma vez.

Primeiro, ficou estático com o impacto da notícia. Os olhos travados. Ele parecia não acreditar nos próprios ouvidos.

A sala ficou em silêncio. Sabrina parou de chorar imediatamente. Ingrid levantou a cabeça para olhar para ele. Todos estávamos olhando para ele, mas ele só olhava para Sabrina, incrédulo. Incredulidade deu lugar ao alarme. Seus olhos cresceram e a mão foi parar no peito. Seu mundo pareceu ter caído naquele momento.

A forma dolorosa como ele a olhava e a expressão de sofrimento em seu rosto... era quase como se eu pudesse ler em seus pensamentos:

"Minha filha"

"Apenas uma criança"

"Minha doce e inocente filha"

Então, olhou para mim. Em seus olhos eu vi o mais puro, sincero e verdadeiro ódio. Aparentava um vulcão em erupção quando ficou de pé em um pulo.

— O QUE VOCÊ FEZ COM A MINHA FILHA, SEU DESGRAÇADO?!

Só deu tempo de eu dar um de ninja e pular por cima do sofá. Que ficou uma marca de all star no estofado branco, era o de menos.

A mãe de Sabrina o segurou tentando impedir de chegar até mim, já que ele avançava brutalmente em minha direção.

— ME SOLTA, INGRID! VOU MATAR ESSE MOLEQUE!!!

— Pai, por favor! — Sabrina veio correndo e ficou na minha frente, com os braços estendidos.

— Ficou doida — abaixei seus braços e passei ela para trás de mim. — Você está grávida.

Quem ficou doido fui eu, repetindo pela segunda vez, na casa do cara, que a filha dele estava grávida. Aí ele foi o próximo a ficar doido de vez.

Ele tentava ultrapassar a esposa, os punhos cerrados e prontos para me acertar. Os olhos, de onde eu estava, pareciam vermelhos, e estavam focados em mim como um animal selvagem olha a presa. Eu só conseguia pensar em duas coisas: o que seriam dos meus 1.76 de altura nas mãos de um ex-militar de quase dois metros?; por que eu não comi aquela batata frita que a Sabrina não quis? Agora eu ia morrer com fome.

— DESGRAÇADO! É ASSIM QUE RETRIBUI MINHA CONFIANÇA?! ENGRAVIDANDO A MINHA FILHA??!! A MINHA ÚNICA FILHA! AGORA VOCÊ VEM AQUI E DIZ NA MINHA CARA QUE ELA ESTÁ GRÁVIDA?!!

Aquilo me acertou com uma precisão cirúrgica. O pai de Sabrina gostava de mim, ele até dizia que eu era boa influência para ela. Quando Sabrina me apresentou como namorado, ele disse que eu parecia ser um bom garoto e que confiaria em mim para tratá-la como a princesa que ela era. Daí eu fui lá e ferrei com tudo engravidando ela.

Me senti envergonhado. E foi por isso que não tentei fugir, não me movi, não tentei pedir desculpas e não disse nada. Eu merecia.

Ingrid se colocou na frente dele e bradou com autoridade:

— Para! Já chega! Para com isso, agora! — exigiu, fazendo gestos firmes com as mãos. — O que pensa em fazer? Está louco? Quer que o seu neto nasça órfão?!

Aquelas palavras tiveram algum tipo de impacto sobre nele. Ao menos foi o que pareceu quando ficou parado encarando o rosto dela, para logo depois olhar para Sabrina atrás de mim.

Seu rosto endurecido continuou rígido, mas seus punhos cerrados relaxaram devagar até os dedos reaparecerem.

— Não — disse com a voz ríspida, mas ao menos não estava mais gritando.

Ingrid respirou fundo e relaxou os ombros, se virando para o lado ao mesmo tempo em que massageava a têmpora, aparentemente com dor de cabeça.

— POR ISSO EU VOU MATAR OS TRÊS!

Peguei a mão de Sabrina e saí correndo porta afora.

— Salve-se quem puder!

Como nascem as estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora