Capítulo 38 - Chamada perdida

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Eu tinha uma pequena lista de objetivos que me acompanhava desde o início do ano:

1) Superar Fernando;

2) Ser a melhor mãe do mundo para Eduardo;

3) Comprar um apartamento;

4) Conseguir um emprego de verdade;

5) Mandar meu chefe para aquele lugar;

6) Dar o máximo de mim nos estudos;

7) Superar Fernando.

Do 1 ao 7 eu já tinha cumprido exatamente NENHUMA.

Para cumprir o 5 eu tinha que cumprir o 4, que me permitiria cumprir o 3, mas para isso era preciso cumprir o 6. Só que o 6 me impedia de cumprir o 2.

Em resumo, para cumprir do 1 ao 7, primeiro eu tinha que cumprir o 1 e 7 porque, eu não sabia como, mas de alguma forma Fernando me atrasava.

Eu tinha que ser honesta comigo, meu corpo ainda reagia de formas que não deveria reagir quando eu o via.

Neguei com a cabeça quando o barman apareceu de novo perguntando se eu queria beber algo. O sorriso forçado veio junto com o olhar de quem quer me mandar desocupar o lugar. Mas eu não tinha autorização para ir embora ainda, então Pierre — era como eu me referia ao barman em pensamento — ia ter que me aturar.

— Uísque — um homem alto, de barba aparada e camisa social disse ao barman, se sentando ao meu lado.

Como quem olha ocasionalmente em volta, o cara passou os olhos por mim e em mim ficou. Pareceu que ia sorrir, então virei o rosto para outro lado.

Os bares noturnos me davam tédio. Era sempre a mesma coisa previsível. Caras bêbados dando em cima de mulheres desacompanhadas, ou mesmo acompanhadas. Uma entre três vezes acabava em briga. Argh. Como eu detestava briga de bar.

— Oi.

Fingi não escutar.

— Oi — repetiu mais alto.

Continuei ignorando.

— Olá — dessa vez foi quase no meu ouvido.

Que audácia! Virei de uma vez, o que o fez se afastar.

O cara estava com um sorriso simpático no rosto, apesar do meu olhar de indiferença para ele. Não falei nada. Isso sempre os desencorajavam.

— Vem sempre aqui?

Suspirei.

— Eu sei. Também odeio essa cantada.

Que bom que deixamos claro que você está me cantando, pensei.

— Você não vai dizer nada.

Chegou a essa conclusão sozinho?

— Suponho que também não vá me dizer o seu nome.

Por que você ainda está aqui?

— Bom, meu nome é Rodrigo, caso queira saber.

Pierre chegou com o copo de uísque.

— Algo mais? — ele abriu um sorrisão, todo prestativo.

— Um drinque para a moça de cabelo rosa — disse o mula sem cabeça.

— É pra já.

— Não quero nenhuma bebida — afirmei, olhando para Pierre.

O sorriso dele se desfez. Novamente me deu aquele olhar de desocupa-o-lugar-então-querida.

Traga água com gás para ela — o boi burro disse e Pierre foi correndo pegar, antes que eu tivesse tempo de dizer não.

— Qual o seu problema?

— Não precisa agradecer — ele deu um gole no uísque. — Além disso, não se deve deixar um homem beber sozinho.

Me levantei para sair.

— Espere... — ele segurou meu braço.

— Me solta!

— Algum problema? — Leandro apareceu no exato instante em que eu ia dar um soco em Rodrigo e o encarou como se ele mesmo fosse fazê-lo.

Cláudia vinha logo atrás, tentando se equilibrar no salto de 15 centímetros.

— Não — falei apenas e puxei o meu braço.

— O que tá pegando, pessoal? — Cláudia pendurou um braço em volta do pescoço de Leandro, fazendo uma careta que parecia de dor.

Eu disse para ela não comprar aquele salto de número menor. No fim das contas, ela ia acabar empurrando para mim.

— Esse cara está te incomodando, Sabrina? — Leandro estava com os olhos cravados em Rodrigo.

Rodrigo, por sua vez, ergueu uma sobrancelha para mim.

— Estou, Sabrina?

— Eu vou embora — falei apenas e saí andando.

No fundo, eu estava era grata pelo jumento do espaço ter aparecido, pois isso fez Cláudia se sentir mal por ter me arrastado para aquele bar idiota contra a minha vontade.

Eu só queria que ela parasse de insistir em me levar nesses lugares. Ela achava que eu precisava conhecer pessoas novas. Não, ela achava que eu precisava conhecer homens.

Será que ela não percebia que eu não estava pronta para olhar para outro homem sem sentir que estava traindo Fernando?

Pedir para ela entender sentimentos de fidelidade por um relacionamento acabado era exigir demais da minha amiga, já que ela estava em um relacionamento aberto com Leandro.

Eu não conseguia conceber o conceito de estar comprometido e ao mesmo tempo não estar, mas funcionava para eles, estão eu não me metia.

Então seria bom se ela também não ficasse se metendo da minha vida amorosa e parasse de me criticar por ainda ter sentimentos pelo meu ex. Além disso, precisava insistir naquele assunto na frente do melhor amigo dele?

Leandro nunca disse uma palavra sobre as inumeráveis tentativas de Cláudia em me jogar em cima de todo tipo de homem, então eu não sabia o que ele pensava a respeito.

Tudo o que eu sabia era que, enquanto o amigo dele e eu ainda estávamos juntos, Leandro se intitulava nosso fã número 1. Agora, no entanto, não emitia opinião. O que era legal da parte dele, já que também era meu amigo.

Cláudia, por sua vez, fazia questão de demonstrar o quanto odiava Fernando. Ela não podia vê-lo que já queria enfiar suas unhas grandes na cara dele. Cláudia guardava rancor pelas coisas ruins que Fernando fez, principalmente por ele ter acabado com a minha autoestima, por ter destruído a minha autoconfiança.

Ao chegar em casa, encontrei uma velha parada bem ali no meio da escuridão silenciosa da sala: a velha solidão de todos os finais de semana. A sensação me sufocou, mas ainda assim, não liguei a luz. Fui para o quarto, os ombros caídos, e me joguei na cama.

Eu ia dormir daquele jeito, sem tirar os sapatos ou o vestido, mas aí vi a tela acesa do meu celular em meio à escuridão. Havia uma chamada perdida de alguém que nunca me ligava: Fernando.

Meu coração acelerou. Não só por ser ele, e sim porque, para ele me ligar, só podia ter a ver com o nosso filho.

Retornei a ligação. Demorou alguns segundos até alguém atender.

— Alô? — e era uma voz de mulher.

Como nascem as estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora