Capítulo 50 - Quero que você mor...

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Voltar para casa mais cedo é uma das maiores causas de divórcio do mundo.

Com certeza existe um estudo sobre isso. Se não tiver, eu mesma me ofereço para redigir o projeto de pesquisa.

Pessoas que traem seus parceiros nunca calculam o risco de eles voltarem mais cedo para casa.

E os parceiros, por que chegam mais cedo? Não deveriam fazer isso nunca. E se quisessem fazê-lo, que ao menos mandasse uma mensagem avisando.

De qualquer forma, fiquei feliz quando o ruído do ar-condicionado cessou e os estabilizadores dos computadores apitaram. "Estamos sem energia!", alguém disse alto quando Rodrigo e eu saímos da sala para ver o que estava acontecendo.

Não é preciso citar o caos que se instaurou no banco com todas aquelas pessoas fora das salas, suadas e desesperadas com os documentos não salvos nas máquinas.

O importante aqui é que, depois que o técnico chegou e analisou o sistema elétrico, disse que não teria energia antes das vinte horas. Ou seja, Otávio soltou fogo pelo nariz enquanto dispensava todos os funcionários. Bem feito, eu o avisei vária vezes sobre a necessidade de fazer manutenção no gerador de energia.

Assim, pela primeira vez, Rodrigo e eu saímos juntos do trabalho. Foi dessa forma que acabei dentro do carro dele. Eu não ia recusar carona, não cansada do jeito que eu estava.

— O que acha de tomar aquela bebida hoje? — disse ele, no momento em que seu carro encostou na frente do prédio de Fernando.

Esperei Rodrigo completar a frase com algo do tipo: "a água com gás está em promoção", ou essas brincadeiras que ele sempre fazia para recordar a primeira vez que nos falamos, no bar, e assim me deixar sem graça. Mas não, ele estava falando sério.

Perplexa, encarei seus olhos sem ter ideia do que responder. Me lembro que ele se interessou por mim naquele dia, mas achei que o interesse morreu assim que fui apresentada como sua nova estagiária.

Me ocorreu, então, que eu nunca havia falado para Rodrigo que era casada. Não tinha como ele saber, eu não usava aliança e era supostamente "jovem demais" para ser esposa de alguém. Acho que ele nem mesmo sabia que eu tinha filho.

Pensei em dizer "não posso, meu marido está me esperando" só de maldade. Mas o pensamento me deixou mal, porque não havia um marido me esperando. Havia Fernando, que era meu marido só no papel, e ele certamente não estava me esperando.

Coloquei o cabelo atrás da orelha, desviando os olhos para a rua através do parabrisa.

— Hoje eu tenho que estudar — abri o cinto de segurança. — Mas podemos marcar outro dia.

Pela visão periférica, vi ele abrir a boca para questionar, mas se interrompeu quando o celular tocou alto. Por que pessoas em cargos de poder parecem desconhecer o modo vibratório? Eu era obrigada a tolerar aquele toque de dança do ventre todo dia.

— Valeu pela carona — falei, mas ele não devia ter escutado porque estava com o celular no ouvido.

Ao cumprimentar o porteiro, ele logo me informou que a queda de energia afetou o funcionamento do elevador, então rumei para as escadas.

Com passos distraídos, comemorei mentalmente o fato de estar chegando mais cedo em casa, enquanto fazia planos para o resto daquele fim de tarde. Eu poderia pegar Eduardo na escola e na volta pararia em sua sorveteria favorita. A gente iria sentar de frente para a rua e brincar de "olha o seu carro".

Meu TCC já estava em revisão com o meu orientador, e eu não aceitei mais trabalhos de ninguém, já tinha conseguido juntar uma quantia razoável. Com a cabeça livre de preocupações acadêmicas, eu poderia passar um tempo de qualidade com o meu filho.

Como nascem as estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora