Capítulo 54 - Não me provo...

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— Vamos no cinema? — quarta-feira.

— Vamos.

— Vamos naquela sorveteria perto da escola? — quinta-feira.

— Com certeza.

— Vamos no zoológico? — sexta-feira.

— Opa, agora.

E hoje, sábado, Eduardo quis ir ao abrigo de cães. Resposta: Claro. Ele sempre quis ter um cachorro, mas não havia condições de termos um animal em casa, devido ao fato de eu ficar fora o dia inteiro. Então Eduardo se contentava em ir naquele abrigo para ao menos passar um tempo com o cachorro que ele dizia ser seu.

Todo peludo, marrom com branco, um cachorro lindo. Por que alguém abandonaria um animal bonito desses? Simples, ele era cego de um dos olhos.

Um olho marrom e o outro azulado, quase cinza, o qual não enxergava. Eduardo não via aquilo como defeito. Para ele, era isso que fazia o cachorro ser único.

O cara responsável pelo abrigo já estava acostumado a ver nossas caras ao menos três vezes por mês. Quando chegávamos ele abria a grade e deixava Aruk — nome dado por Eduardo — sair para brincar com ele.

Como de costume, Aruk abanou o rabo enlouquecidamente na hora que viu Eduardo. Ao se ver livre da grade, pulou nele lambendo seu rosto sem parar. Eduardo ria alto, tentando, sem sucesso, se desviar da língua do cachorro.

Já que eu finalmente estava com tempo livre, Eduardo saiu do abrigo segurando a guia de Aruk. Não, não o adotamos. É que o dono do abrigo era um dos alunos de mestrado de Diana, avó de Eduardo — foi a mãe de Fernando que levou meu filho lá pela primeira vez. Por esse motivo ele permitia que a gente saísse com o cachorro.

A pracinha perto dalí tinham um campo extenso de grama. Eduardo e Aruk correram, rolaram e brincaram até ficarem ofegantes.

Na hora de devolver o cachorro, Eduardo fez a pergunta de sempre:

— A gente não pode levar ele pra casa? — eu já tinha escutado aquela pergunta muitas, muitas vezes. E todas vinham acompanhadas por aquele olhar esperançoso.

— Não podemos, filho. Acho que no prédio nem permitem animais. — Me abaixei e passei a mão na cabeça do cachorro, que me retribuiu com lambidas. — Além disso, eu teria que conversar com o seu pai.

Eduardo se abaixou também e fez carinho atrás da orelha de Aruk, sem disfarçar a tristeza. Na saída do abrigo ele ficou bem murchinho.

— Ah, qual é? Isso não é cara que se faça quando a gente está indo pro shopping comer batata frita.

Ele levantou a cabeça para mim com os olhos brilhando.

Não fazia bem para ele comer tanta batata frita no mês, no próximo eu iria regular a frequência.

Sentados nas mesas do McDonald's, Eduardo com as batatas fritas dele e eu com meu algodão doce.

— Fique sabendo que quando estava em minha barriga você adorava — falei quando ele fez cara feia para meu algodão rosa. Eduardo detestava.

— Como cê sabia que eu gostava? — perguntou enchendo a boca de batata.

— A gente se comunicava muito bem quando você estava dentro de mim — o pedaço de nuvem derreteu na minha boca.

— Como? — os olhos se fixaram em mim com visível interesse.

Coloquei o último pedaço na boca pensando seriamente em voltar lá fora e pegar mais uns dois com o vendedor. Fazia tempo que eu não sentia vontade de comer algodão doce daquele jeito.

Como nascem as estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora