Capítulo 36 - Vamos ficar juntos para sem...

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Sabrina

Uma das grandes ironias da vida é que antes de se conhecerem é você. ele. Assim, com os pontos.

Então se conhecem, se apaixonam, se casam e passam a ser um só. E isso é lindo. A primeira pessoa do plural é o que vocês são agora. O "eu" dá lugar ao "nós". Mas a grande questão aqui é que quando esse "nós" se rompe, ao invés de voltar a ser "você" e "ele", vocês passam a ser metades. E aí está a ironia.

Duas metades isoladas. É o que somos. Não merecíamos mais do que isso?

— Vamos ficar juntos para sempre — era o que dizíamos um ao outro. Não fazíamos ideia, na época, que o nosso para sempre era tão pouco.

Claro, o que sabíamos da vida? Quando se tem 16 anos tudo parece eterno.

— Mãe! Papai chegou!

Me assustei, não sei se com o grito ou seu conteúdo. O susto me fez soltar a mochila e ela caiu no chão. As coisas se espalharam em uma bela bagunça.

— Papaaai! — Eduardo saiu da janela correndo, abriu a porta e foi para fora.

A garrafinha de água que eu tentava colocar dentro da mochila também estava ali e o peso dela destroçou um dos brinquedos. Não. Um brinquedo não. O brinquedo favorito de Eduardo.

Não só o brinquedo favorito de Eduardo. O brinquedo favorito que o pai deu para ele. O transformer vermelho e azul, o Optimus Prime.

Meus olhos quase pularam para fora com o crime que acabei de cometer.

Ouvi passos se aproximando e olhei a tempo de ver Eduardo na maior alegria do mundo trazendo o pai pela mão. Os dois envoltos em uma conversa animadíssima.

— Não acredito — Fernando disse.

— Verdade, pai, eu passei o nível 34, pode perguntar pra mamãe — ele olhou para mim. — Mamãe, né verdade que... O que cê tá escondendo? — Os olhinhos dele brilharam de curiosidade.

— Nada — tentei fazer cara de não culpada. Como não parecer culpada com as mãos nas costas?

— Por que cê tá...

— Por que você vai pegar mais um brinquedo? Cabe mais um na mochila.

— Ebaaaa! — ele saiu correndo. — Me espera aqui, pai.

Quase suspirei de alívio, então lembrei de tinha que lidar com algo pior. Muito pior.

— Oi — ele disse.

— Oi — respondi.

Silêncio.

Essa era a parte mais difícil.

O climão de todas as vezes em que nos encontrávamos estava ali novamente. Ambos sentíamos o desconforto. Era como estar na presença de um estranho que não era exatamente estranho.

Permanecemos assim, parados, nos olhando, até que, sem mais nem menos, ele começou a andar em minha direção.

O que ele estava fazendo?

Devagar, cada vez mais perto. Sem desviar os olhos.

O QUE ELE ESTAVA FAZENDO?

Quis mandar parar, mas uma parte minha queria ver o que ele ia fazer.

A um passo de mim, Fernando parou, abaixou e começou a juntar as coisas de Eduardo que eu derrubei. Sem dizer nada, ele terminou de colocar as coisas na mochila e ficou de pé.

Ficamos frente a frente outra vez.

O problema era que toda vez que ficávamos assim, nos olhando em silêncio, eu via algo em seus olhos que me fazia sentir uma culpa inexplicável. Inexplicável mesmo porque não era culpa minha que não demos certo. Por que, então, parecia que ele me olhava como se eu fosse a culpada? Não fui eu quem sai batendo a porta. Foi ele.

Como nascem as estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora