Capítulo 26 - Briga, Fernando?

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Eu era profundamente grato por Ingrid ter autorizado a inclusão de Sabrina no plano de saúde da minha família, mesmo que eles tivessem o próprio. Agora ela tinha cobertura de dois planos e podia usar qual quisesse.

A minha gratidão derivava do fato de que, ao usar o plano que o meu pai era titular, as autorizações para procedimentos médicos estavam previamente assinadas, um acordo que ele fez com o hospital e o obstetra de Sabrina, que era seu amigo de longa data. Isso porque meu pai compreendeu quando expliquei que, já que eu estava prestes a ser pai, precisava aprender a ter autonomia e não dava para conseguir isso tendo que chamar pelos meus pais toda vez que a minha namorada grávida fosse ao hospital.

Assim Sabrina e eu tivemos paz, na medida do possível, para fazer o acompanhamento da gestação sem ter que envolver nossos pais a todo momento para assinar até mesmo um exame de sangue. Então, apesar de eles terem se metido em vários exames, o ultrassom em que ouvimos o coração do nosso filho pela primeira vez foi um momento só nosso.

A grande desvantagem daquela situação é que eu sequer sabia quais autorizações estavam sendo acionadas naquele momento, já que eu era um menor de idade inútil e a recepcionista não estava interessada em me dar informações sobre o estado da minha namorada e do meu filho.

Era o dia de folga do meu pai, ele não esbarraria comigo por ali, o que era um grande alívio. Caso contrário, ele ligaria para os pais dela e em menos de um minuto as duas famílias estariam se atracando na sala de espera. E eu não tinha a menor condição de lidar com isso agora.

Quatro horas sentado na sala de espera, sem notícia alguma de Sabrina, me deixou à beira da completa insanidade. Eu sequer sabia se sairia daquele hospital inteiro ou completamente fragmentado, carregando a morte da minha namorada em uma mão e a do meu filho na outra.

Cada enfermeiro que surgia, eu tinha o impulso de me levantar, só para logo em seguida sentir a frustração. Os enfermeiros tinham cores de uniforme diferentes para cada setor. Todas as camisas eram brancas, mas as calças recebiam cores distintas: cinza para ortopedia, verde claro para pediatria, vermelho para cardiologia. Mas a cor da obstetrícia, que era a que eu precisava ver, não aparecia de forma alguma. Rosa era a cor.

— Fernando.

Ergui os olhos na direção da voz familiar e encontrei o rosto cansado do doutor Edgar, obstetra de Sabrina. Não era cansaço físico, era a cara de "você por aqui de novo". Nos víamos com mais frequência do que os desejos de Sabrina por algodão doce. E como poderia ser seria diferente? Aquela gravidez turbulenta fragilizou a saúde dela, então ir ao hospital era como um ritual semanal.

— Pode me acompanhar? — perguntou, já se virando para que eu o seguisse.

Caminhamos em silêncio até a sua sala gelada. Sentei-me de frente para ele na cadeira de couro fria. Ele abriu a boca, mas então se interrompeu e franziu as sobrancelhas, observando meu rosto com uma expressão confusa.

Antes que ele questionasse, me adiantei:

— O desgraçado ficou pior.

Ele recostou-se na cadeira e suspirou.

— É por isso que a Sabrina está nesse estado — deduziu, massageando a testa com os dedos. — Fernando, eu não te disse que a gravidez da Sabrina era de risco?

Era. Uma coisa ruim me tomou por dentro.

— Como ela está?

A cara que ele fez não foi das mais animadoras. Mas se tinha uma coisa que eu gostava naquele médico, era o fato de ele não fazer rodeios.

— A verdade? — ele se inclinou para frente e olhou dentro dos meus olhos. — Nada bem. Uma bolsa de sangue atrás da outra, foi o que aconteceu no centro cirúrgico. Saímos, mas ela está sendo monitorada de perto. Espero que esteja preparado para passar a noite no hospital.

Me larguei na cadeira, acabado. Não ia perguntar sobre o bebê. Não tinha coragem. Imaginava que se algo tivesse acontecido ele teria dito.

— Briga, Fernando? — sua voz tinha um tom de repreensão. — Você vai ser pai daqui a pouco tempo. Pelo amor de Deus! Tenha mais responsabilidade. — As sobrancelhas espessas quase se encontravam na testa franzida.

Até o médico resolveu me dar sermões. Moral zero, a minha.

Mas aí pensei no significado do que ele disse. Vou ser pai. A frase soou como um alento para a alma. O bebê estava vivo.

— Dessa vez, foi por muito pouco — ele diminui o tom de voz para continuar: — Se eu tivesse demorado um minuto a mais, talvez Sabrina... — e deixou no ar.

Fechei os olhos por um breve momento, sentindo o peso da culpa curvar os meus ombros.

Eu precisava me esforçar mais. Nunca fui de ter problemas de falta de controle... até conhecer Sabrina. E tudo mudou.

Sabrina detinha o incrível poder de desafiar as minhas emoções. No entanto, por mais que eu gostasse da forma que ela me fazia sentir vivo, não dava para ser tão suscetível aos meus sentimentos por ela agora. Eu tinha que ser racional.

— É como eu venho repetindo todos esses meses: nada de emoções fortes. A saúde de Sabrina está comprometida. O corpo dela está fraco — ele usou aquele tom de repetência, como uma pessoa cansada de falar as mesmas coisas sempre. — Está mais perto que nunca, então faça o possível para Sabrina ter um resto de gestação tranquila ou isso pode custar a vida dela e do seu filho.

Do mesmo jeito que ele estava cansado de dizer, eu estava cansado de ouvir. E nem um pouco a fim de prolongar aquela conversa.

— Eu posso vê-la?

— Sinto muito, agora não é possível. Meu conselho é que você vá para casa, cuide desses machucados, descanse e volte apresentável e com uma cara melhor. Tudo o que Sabrina vai precisar quando acordar é do seu apoio — concluiu, recostando-se na cadeira.

Eu tinha bastante convívio com ele, nos encontrando na sala de espera e em sua sala para conversar sobre a saúde de Sabrina e a do bebê, mas ele não era o meu pai, me irritava que agisse como se fosse.

Mesmo assim, segui o conselho dele, achando que o melhor a se fazer era ir para casa mesmo. O que eu não contava era com o que me esperava lá.

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