Capítulo 23 - Não diz que a essa altura...

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Algumas batidas na porta e alguém apareceu ali. Nariz afilado, cabelo rebelde, os olhos surpresos. Abracei ela.

— Fernando? — ela me abraçou de volta, mas meio desconfiada. — O que você tá fazendo aqui?

Escondi meu rosto nos cabelos dela e ali fiquei por um tempo suficiente para Sabrina perceber que tinha algo errado.

— Fê? — ela passou a mão pelos meus cabelos cautelosamente.

Silêncio.

— Por favor, diz alguma coisa. Tô ficando preocupada.

— O que eu fiz com você, Sabrina?

— Do que você tá falando? — a voz dela soou insegura. Senti a tensão.

Apertei seu corpo pequeno, tomando cuidado para não machucar. A essa altura, seis meses, a barriga dela começava a mostrar uma maior saliência de gravidez. Eu gostava de vê-la usando minha camisa do colégio, ficava grande e folgada, o que significa que não apertava a barriga, sua principal reclamação em relação às roupas.

Sabrina era do tipo que chegava da escola e não tirava o uniforme por nada. Por preguiça mesmo. Passava o dia todo com a camiseta e só tirava para tomar banho. Aí, no outro dia quando tinha que vestir, percebia que estava suja. Quem nunca? Sabrina sempre.

— Fernando...

— Minha mãe tem razão — pensei, mas também falei.

Senti o corpo dela estremecer. Sabrina nem sabia do que eu estava falando, mas ela era boa em juntar minhas meias palavras. Eu gostava disso nela. Com ela, eu não precisava dizer muita coisa para me fazer ser entendido.

Sabrina se soltou dos meus braços para fechar a porta. Quando se virou de novo, estava séria.

— Não diz que a essa altura mudou de ideia.

— Nunca mudaria.

— Mas...?

Passei os dedos pelos cabelos. Eu nem estava raciocinando direito, o que poderia dizer? É claro que eu jamais concordaria com o absurdo que a minha mãe propôs, mas agora estava confuso. Por Sabrina.

— Me diz, o que você acha que vai ser depois? Como vai ser a sua vida? — segurei a bochecha dela com uma mão, olhando sinceramente em seus olhos — Eu acho que estraguei a sua vida, Sabrina. Sem querer, estraguei seu futuro.

Qualquer pessoa no mundo que parasse para refletir sobre aquilo, diria que eu tinha razão. Dezessete anos não é idade para ser mãe.

— Para! — ela jogou minha mão para longe. — Para de falar assim, Fernando! Para de me olhar com cara de quem sente muito. Eu não sinto. Não me arrependo do nosso filho — e colocou uma mão na barriga. — Eu amo ele.

Então, sem mais nem menos, seu rosto mudou. Os olhos cresceram. A boca se abriu. A outra mão foi para a barriga também. Dei um passo à frente e segurei seus braços. Se algo acontecesse com ela eu nunca me perdoaria.

— Ahhh! — exclamou baixo. Ela estava sem forças até para gritar, supus.

No impulso, coloquei minha mão em sua barriga. Ela olhou para a minha mão ali, olhou para mim e os seus olhos se encheram de lágrimas. Aconteceu uma coisa. Uma coisa que, naquele exato momento, me transformou. Eu senti.

Eu o senti.

— Ela chutou — sussurrou, com os olhos brilhantes.

Chutou. Pela primeira vez. E eu estava lá para sentir. O que eu podia fazer a não ser agradecer minha mãe? Só o que ela conseguiu fazer com aquele discurso todo foi me levar até ali e me deixar ainda mais mais curioso em conhecer o pequeno ser chutante.

— Você... você sentiu? — Sabrina olhava de mim para a barriga. — Fernando, nosso bebê está chutando!

Coloquei a outra mão também e cheguei mais perto.

— É, está — falei meio perdido, meio sorrindo, olhando a barriga dela. Que coisa estranha. Era estranho, mas bom. Era a primeira interação dele com a gente.

Primeira de tantas outras que nós, pais dele, os verdadeiros, iriamos ter. Não outras pessoas. Minha mãe que tirasse o cavalinho da chuva.

Levantei os olhos e vi que ela me observava com curiosidade. Ela abriu um sorriso doce para mim e uma coisa chamada felicidade transpareceu em seus olhos cor de águas de rio.

Eu era completamente apaixonado pela forma que o rosto de Sabrina se iluminava quando ela estava feliz. Meu maior desejo era fazer de tudo para garantir a felicidade dela.

Mas era difícil fazer isso tendo tantas limitações. Aos cinco meses de gravidez, meu contato com Sabrina era tão pouco que nosso relacionamento se voltou totalmente para as questões da gestação.

Fora da escola, só nos víamos em dias de consulta e exames. E de repente era como se tivéssemos deixado de ser namorados e agora éramos apenas pais.

E por mais que eu sentisse falta da minha namorada, não podia reclamar, pois ao menos tinha permissão para ser o pai do filho dela.

Portanto, ter momentos em que nos olhávamos assim, que nos envolvíamos emocionalmente de uma forma tão intensa, era incrível. De repente, as dificuldades davam um tempo e voltávamos a ser um casal apaixonado.

Levei uma mão ao rosto dela, mantendo a outra na barriga, e acariciei sua bochecha. Ela inclinou a cabeça para o lado, apreciando meu toque, e fechou os olhos.

Observando a essa cena de fora, qualquer um diria que as coisas estavam bem entre eu e ela. Mas não se engane.

Lembre-se: nem tudo que parece, é.

Como nascem as estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora