A Carta do Cavalariço Exilado

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“Me perdoe, minha cara.

Tão humildemente lhe peço, que perdoe-me por aquilo que fiz, mesmo que não o tenha desejado fazer. O homem, de tais dotes, ameaçou o nosso filho mais moço com espada — à razão de uma divída não paga. Não tive escolha se não defendê-lo, e o homem que ameaçava-o não era dos miúdos: peito estufado, armadura de malha e sem viseira, mostrando-nos os cabelos dourados enquanto escorriam pela testa. Ria-se de audácia enquanto aumentava sua voz ao nosso filho, e não tive escolha se não intervir. E assim o fiz. Por orgulhoso que era, o homem desembainhou sua espada pela metade, pedindo para que eu me afastasse. Não o iria fazer pois era nosso filho o ameaçado, e não deixaria a mais nova pupila dos nossos olhos dar-se aos dotes de um bruto orgulhoso. Estufei meu peito e afrontei-o; e, quando menos percebi, desembanhadas estavam as nossas espadas. E eu sou guerreiro treinado, algo que ele não devia ter sido. Tu, ó, minha cara, sabes o que se passou ali: desferi-lhe lâmina no pescoço após ele tentar acertar-me os olhos com o fio da lâmina. Jorrou-se o sangue e o bruto, caindo ao chão, coaxou palavras entre o próprio sangue, desfalecendo-se logo após. Após isso, corri com nosso filho para longe dali. Voltamos à casa em toda velocidade, e tu deves lembrar-te bem da ocasião. No dia seguinte, a Guarda chamou-me para ter com o próprio barão: aquele que eu matara em suma defesa não se passava de ninguém menos que o próprio filho do barão que convocou-me. Naquele dia, fui julgado pela Corte Inferior; e os juízes, julgando a graça de seu réu ser um pai de família honesto e ter agido em própria defesa, decidiram como bênção e bom-senso não mandar-me à lâmina fria do carrasco. Decidiram exilar-me às terras mui distantes daqui; além dos condados de Erqueburgo e Arenávia e alguns outros ducados de distância.

Minha cara... Perdoe-me pelo meu coração que viu na violência o refúgio do pupilo.

Por conta da própria maldição do exílio, deram-me uma folha para as contas, um cavalo ruço e sem estribos e esta carta para que eu lhe escrevesse, avisando sobre a minha atual situação.

Aqui estão os dotes da folha de contas, caso esta acabe-se por perder: Dou meus dois cavalos mais experientes, Elísio e Seta-Vermelha, ao duque Fernand de Fehr, que tanto ajudou-me em minha defesa; dou meus três mais novos potros a cada um dos meus três filhos, para que amadureçam com eles e os nomeiem, carregando consigo o xairel do pai e o sempiterno coração da mãe; cedo dois dos meus nove acres ao barão Friedrich von Tharn, assim como o gado que neles há, como forma de servir a dívida por ter-lhe tomado um filho tão friamente; e, por fim, dou trinta de meus mais antigos livros ao castelão Lard von Vaunhoff, para montá-los em sua valorosa biblioteca, como sinal de agradecimento por ter-nos ajudado em qualquer situação durante tantos anos; e, por fim, sendo símbolo do incomensurável amor que sinto por ti, minha tão amada, dou-te todas as minhas economias, fardas, dotes, armas e terras pois eu sei que o laço de amor infinito que sentimos um pelo outro fará com que você multiplique meus bens mil vezes mais para ti e para nossos filhos, minha tão amada.

Ao momento que encerro esta carta, preparo meu embornal e cantil para a viagem que aproxima-se, mas também aqueço meu coração por amor à minha família.

Me perdoe, minha cara.

Por onde quer que eu vague, lembre-se de que jamais esquecerei da minha tão amada família e que lutarei por vós até o fim de meus dias.

E, no fim desta folha amarelada e amargurada, lhe peço:

Não se vá tão docilmente.

Com eterno amor e vívidas lembranças,
Herald”

(No verso da folha, com letra veloz e rabiscada)

Os guardas que me vigiam afastaram-se, e pouco tempo tenho para escrever-vos isto:

Eu voltarei, meus amados; voltarei das mais longínquas montanhas nem que elas me custem a vida, mas voltarei e levarei-vos comigo nem que precise passar pelo fogo do Inferno somente para -los comigo novamente. Eu cruzaria o Inferno apenas para ver-te sorrindo novamente. Em breve eu voltarei, armado de espada e sob o braço de Deus, para cruzar novamente estas terras elevar-vos comigo... Nem que tenha que decapitar os bastardos que me jogaram nesta danação ou nem que isso custe-me a vida, mas terei-vos comigo uma vez mais.

Guardem consigo o meu amor e estas palavras que, sem arrepender-se, prometem:

Em breve, em breve... Eu estarei de volta

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