Coração em Pó

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Quando veio o vento, tudo se desmoronou. É claro, acabei por fazer do vento meu amigo quando vi que todos os meus castelos de areia acabavam por desmoronar à primeira fúria da maresia. É bem estranho, sabe? Ver tudo o que fora construído de tão bom intuito cair tão rapidamente... É daí que aprendemos a efemeridade de tudo que construímos ou que tentamos construir.

Quando desisti de construir castelos, decidi começar a construir canoas. Ao construí-las, entristeci-me ao ver que sempre que eu as finalizava, chegavam-se as ondas e carregavam-nas para além-mar, tão distantes que eu não as via mais. Com isso, aprendi que quando aquilo que construímos não é destruído, é levado. Construí canoas e mais canoas, mas todas tiveram o mesmo destino.

Depois de tanto trabalho, eu havia cansado-me por tamanha labuta. Tendo isso em vista, decidi pegar as tábuas com as quais costumei fazer canoas e, enfim, comecei a fazer camas para o meu descanso. Eram camas maravilhosas. Os ventos que outrora derrubavam meus castelos agora refrescam-me o corpo e as águas que levavam minhas canoas agora molham-me as pontas dos dedos. Após tudo superar, pude deitar-me em plena paz na primeira noite.

Ao acordar, não pude acreditar no que acontecera: os movimentos notívagos do meu próprio corpo destruíram a tão confortável e perfeita cama que eu havia construído. Mas não podia ser possível — por que haveriam de encontrar-me tantos e tantos impedimentos? Por que eu seria meu próprio impedimento?

Indignado, notei-me como outro próprio impedimento. Para enclausurar-me, comecei a, lentamente, construir paredes — paredes onde eu poderia esconder-me do vento, proteger os pés contra a maresia e voltar a mim verdadeiramente, de modo que eu mesmo não me impediria mais.

Quando terminei as quatro paredes, o único som foi marulho, que tornou graciosos os movimentos do meu humor que nas paredes ricocheteava. Havia encontrado a paz — mas, tão somente, até o vento chacoalhar a estrutura, as águas inundarem o meu espaço e eu, em desespero, apoiar-me às paredes em busca de qualquer proteção; e, por infortúnio, tudo veio a desabar.

Sem nada para me proteger durante a noite, estava absorto em olhar o mar que molhava meus pés enquanto o vento acalmava o calor noturno do meu corpo. E eu não impedia-me. Não mais.

O mar deu-me esperança.

Quando achegou-se o dia sobre meus ombros, decidi não ser mais um construtor de castelos, canoas, camas ou paredes; mas, sim, um construtor de esperança.

E a esperança era superior ao mar.

Levantei-me, vi o mar e deixei o vento  envolver-me enquanto o meu coração palpitava ao ritmo das águas. Deixei-me esvair enquanto eu, meu próprio impedimento, vi a infinidade de tudo aquilo que aconteceria pela esperança que começaria a construir. Pela primeira vez, pude sorrir.

Levitei sobre as águas enquanto o vento me levantava, e pude sentir o meu coração, sofrido pela monotonia e em busca de paz, sair do meu corpo.

Ao subir com o vento, desapareci — e o meu coração, diminuto, desfez-se em pó junto à areia. Eu não me impedia mais.

Pouco depois, o vento carregou o meu coração em pó ao oceano — e, logo após, eu pairava pacificamente sobre as águas que outrora molharam meus pés.

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