A aldeia fora se espalhando entre a estrada principal e o rio. Além das moradias, havia algumas oficinas montadas por artesãos locais e uma taberna, onde as mulheres que ali trabalhavam ocasionalmente ofereciam consolo a homens solitários. Com certeza era a esse tipo de lugar que Dulce se referira quando mandara o barão procurar um bordel. Mas a idéia de Léon metido numa taberna freqüentada por camponeses soava-lhe absurda.
Provavelmente Dulce ouvira comentários sobre Vick e a irmã, Poli. Entretanto, apesar do que se pudesse pensar, as coitadas não eram prostitutas. Ambas recebiam presentes, sim, porém cabia a elas decidir se aceitavam os presentes e quem os ofertava.
Que o barão tivesse que pagar pelos serviços de uma mulher era algo ridículo. Lembrava-se de assistir a cenas de ciúmes entre as damas da corte que disputavam a oportunidade de agradar Léon, fosse secretamente ou com impressionante audácia. Ele, também, sempre fora alvo de disputas femininas.
Como será que sua esposa reagiria se soubesse? Com certeza, com a frieza e a indiferença costumeiras.
— O que você me diz de uma corrida até o castelo? — Uckerman sugeriu com um sorriso, aproximando-se de Tomáz.
— Você não pode estar falando sério, meu lorde.
Meu pobre animal contra este seu garanhão selvagem? Não seria nem sequer uma disputa justa.
— Você fala como se seu cavalo fosse um pangaré — Christopher insistiu, querendo sentir o vento nas faces e os músculos do animal sob suas pernas.
— Pensei que você estivesse doente.
— Estou me sentindo melhor agora.
— Sem dúvida, ver como sua propriedade está prosperando deve ter ajudado bastante.
— Claro que sim. Vamos, dispute uma corrida comigo. Que vença o melhor.
— Bem... — De repente Tomáz esporeou a montaria e saiu em disparada, pegando Uckerman de surpresa. Com um grito, Christopher lançou-se ao encalço do amigo, deixando Gastão, Giovane e o resto da comitiva a comer poeira.
— Vamos, Raven — ele murmurou junto às orelhas do garanhão, pressionando-o com os joelhos. Para seu prazer, o ar zunia em seus ouvidos, e as roupas, infladas pelo vento, pareciam estandartes desfraldados. Amarrada à sela, a caça balançava loucamente de um lado para o outro, porém Christopher não se importaria a mínima se tudo caísse no chão. Tomáz ainda continuava na frente e seria ultrapassado em questão de segundos... Raven já estava quase emparelhado e...
Foi então que padre Reverte, a cabeça enterrada no missal, surgiu de uma das trilhas que ligava a floresta à aldeia. Gritando assustado, o velhote deu um pulo para trás, mas Christopher já havia puxado as rédeas do garanhão, obrigando-o a parar. Somente depois de certificar-se de que o sacerdote nada sofrerá, além de um susto, é que Uckerman retomou o galope.
Porém já não havia muito o que fazer. Tomáz acabara de entrar no pátio interno, embora seguido de perto pelo amigo.
Com uma expressão irritada no rosto, Christopher desmontou.
— Isto não foi justo!
Imperturbável, Tomáz desmontou também e desamarrou a caça.
— Para começar, a superioridade de seu cavalo já tornou a disputa injusta. Agora que você perdeu, qual será o meu prêmio?
— Por Deus, vou arrancar suas orelhas!
— Elas não são o que eu tenho de mais atraente, mas se você insiste — Tomáz respondeu sorrindo.
— Oh, vá para o diabo!
— Uma vez que jurei lealdade a você, é meu dever segui-lo seja aonde for.
Os dois sabiam que a carranca de Christopher não passava de fachada e, de comum acordo, seguiram para a cozinha, ansiosos para tomar um bom copo de cerveja. De súbito Pascual apareceu, a ponto de ter uma crise nervosa e explodir em lágrimas.
— Meu lorde! — o administrador exclamou, num tom que Uckerman jamais o ouvira usar antes. — Preciso lhe falar imediatamente.
— O que foi? — Embora estivesse acostumado às reações exageradas de Pascual diante de pequenas inconveniências, nunca vira o coitado tão transtornado assim. — A cozinha pegou fogo? Um mercador nos trapaceou?
— Meu lorde, eu... — Percebendo que sir Tomáz e os membros da comitiva acompanhavam a conversa com interesse, o administrador pegou o patrão pelo braço e quase o arrastou. — Vamos para o salão, por favor. Eu preferia lhe falar a sós.
Pascual raramente o tocava e Christopher começou a ficar preocupado.
— O que foi? — indagou enérgico.
— É ela, sua esposa! — Pascual choramingou, olhando ao redor como sé Dulce fosse aparecer do meio do nada. — Ela quer mandar em tudo. Tentei explicar que sou o administrador, não um simples camareiro ou mordomo, mas ela não me dá ouvidos. Insiste em dizer que o salão agora é de sua responsabilidade, assim como a manutenção dos quartos, da despensa, da rouparia e só Deus sabe mais o quê. — Com um ar de mártir, o velhote continuou: — Aparentemente não sou mais necessário. Se é assim, meu lorde, estou pronto para partir. Tenho sido o administrador deste castelo quase que a minha vida inteira, porém talvez esteja na hora de mudar. Talvez você me considere muito idoso e inútil. Se for o caso, meu lorde, por favor tenha a piedade de me dizer agora. Não é preciso, nem é justo e honrado que eu venha a ouvir essas palavras da boca de uma mulher, ainda que ela seja sua esposa.
— Pascual, não tenho a menor idéia do que você está falando — Christopher disse sério. — Não dei à minha esposa nenhum desses poderes. Portanto, ela tem agido sem o meu conhecimento ou consentimento. Asseguro-lhe que não tenho absolutamente nenhuma intenção de transferir a administração deste castelo para outra pessoa e muito menos para uma mulher. Seria ridículo permitir que ela tentasse fazer o seu trabalho. Entendo a sua preocupação e vou esclarecer esse assunto já. Onde está aquela... aquela... minha esposa?
— Na cozinha, dizendo ao cozinheiro o que fazer. Tenho certeza de que ele vai nos deixar. E é o melhor cozinheiro que já tivemos. A expressão do rosto dele quando sua esposa começou a falar sobre os gastos com ingredientes! Seria terrível se ele nos deixasse.
O administrador começou a desfiar uma série de reclamações enquanto acompanhava Uckerman até a cozinha. Pela primeira vez, o afável Pascual sentia-se tão irritado quanto o patrão.
Quando Christopher entrou na cozinha, sua primeira reação foi parar onde estava, atordoado pela cena que se desenrolava bem diante de seus olhos. Que brincadeira era aquela?
Pedro, o cozinheiro, normalmente uma pessoa morosa, preocupada apenas com assuntos culinários, ria com prazer enquanto observava Dulce preparar algum tipo de massa. Duas ajudantes de cozinha também riam de maneira incontrolável e o menino encarregado de cuidar dos espetos mal conseguia desempenhar suas tarefas, pois dobrava-se de tanto rir.
Sua esposa, a nova dona do castelo Uckerman, estava de pé junto à mesa, as mangas arregaçadas, uma touca escura escondendo os cabelos vermelhos e uma espécie de avental amarrado no pescoço para proteger o vestido das nuvens de farinha.
Ainda mais surpreendente, era ver a mulher fria e indiferente que deixara naquela manhã transformada numa criatura vibrante, capaz de rir tanto quanto os outros, os olhos verdes faiscando de satisfação e bom humor.
Os problemas que Pascual parecia ter percebido antes obviamente haviam sido solucionados.
— O que está acontecendo aqui? — Christopher indagou, marchando para o centro da cozinha.
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Esposa Rebelde - Vondy
RomanceA paixão incendiou aquele casamento de conveniência! Inglaterra Idade Média Arrogante o orgulhoso, sir Christopher de Uckerman exigia de sua esposa obediência absoluta. Mas a rebelde lady Dulce Sanviñon desafiou a autoridade de Christopher desde a...