Dulce entrou no quarto e olhou ao redor. Com certeza Christopher estivera ali para mudar de roupa. Num gesto carregado de melancolia, ela tocou a túnica jogada sobre a cama, desejando estar acariciando a pele do marido.
Havia duas semanas que ele se mostrava mais distante do que nunca. Passava os dias inteiros vistoriando suas terras e, quando regressava, tratava a todos com aspereza, à exceção de Pascual.
Preferira não interpelá-lo sobre a possível ligação com Belinda, pois, após muita reflexão, acabara concluindo que, no seu ódio, talvez Belinda tivesse interpretado mal as palavras e atitudes de Christopher.
Também gastara horas tentando imaginar como o marido se sentia a seu respeito. Tudo em vão. Às vezes, quando muito deprimida, perguntava-se se o mau humor de Uckerman não estaria relacionado à partida de lady Belinda.
A única boa notícia, era a franca recuperação de Tomáz. Fizera questão de gastar cada segundo de seu tempo disponível para cuidar do cavaleiro. Pelo menos assim, mantendo-se ocupada, encontrava refúgio para a sua dor e uma desculpa para estar longe de Christopher. Amando-o como o amava, era uma verdadeira tortura sentir-se ignorada, ou então saber-se comparada, desfavoravelmente, à bela lady Belinda
A partida de lady Belinda trouxera-lhe um alívio enorme. E a todos os moradores do castelo também. Os servos haviam rolado no chão de tanto rir, quando souberam que Alfonso recusara-se a casar-se com aquela tola fútil e insuportável.
Aliás, seu irmão vinha se mostrando cada vez mais surpreendente. Se antes vivia subjugado pela insegurança, agora, apoiado no amor de Anahí, firmava-se como o senhor de seu destino. Mesmo a vaidade exacerbada diminuíra consideravelmente e ele quase não se preocupava com roupas e cabelo.
Entretanto, se Alfonso persistisse na idéia de casar-se com Anahí, os dois teriam que deixar o castelo. E se Christopher continuasse contrário ao casamento, quando tornaria a ver o irmão? Outra vez ficaria só e sem amigos.
Será que isso tinha importância? Estar só era melhor do que depender de alguém para ser feliz. Estar só era melhor do que ser o alvo da raiva injustificada de um homem. Estar só era... horrível.
Dulce deixou-se cair sobre um banco, sufocada sob o peso da própria solidão e do amor não-correspondido.
Seu único consolo estava nas conversas com Tomáz. Embora não falasse daquilo que a atormentava, a certeza de que ele experimentara na carne sofrimento semelhante trazia-lhe certo alívio. De posse de alguns detalhes sobre Pilar, Dulce entregara-se ao projeto de localizá-la, sem no entanto nada dizer a Tomáz. Temia alimentar esperanças vãs.
Fritha Kendrick fora a primeira a responder sua carta, porém pouco pudera ajudá-la. Ninguém parecia saber do paradeiro da esposa do comerciante, apesar de alguns mercadores ambulantes haverem afirmado tê-la visto, na companhia do filho, nas imediações de York. Assim, Fritha indicou-lhe um nobre, que morava nas redondezas, a quem Dulce imediatamente escreveu. Mais uma carta, mais uma mensagem de pesar por não poder ajudá-la, mais outro nome, mais outra carta. Não era à toa que Tomáz desistira de encontrar a sua amada. O chão parecia havê-la tragado!
Uma batida repentina na porta, interrompeu o curso de seus pensamentos.
— Entre — ela falou, esperando Anahí ou Hilda. Mas era Christopher, trazendo um pergaminho nas mãos.
— Um mensageiro chegou hoje. Pascual ia trazer-lhe isto, mas eu preferi fazê-lo pessoalmente.
— Obrigada. — Dulce estendeu a mão, tentando não deixar transparecer a emoção que a presença do marido lhe causava.
— O que é?
— Uma carta de sir John Delapont, acho.
— Por que ele lhe escreveu uma carta?
— Há alguma coisa errada no fato de eu receber cartas? — retrucou ela. A voz de Christopher era dura, a expressão do rosto, irritada, mas os olhos dele... havia uma emoção diferente naqueles olhos escuros.
— Pensei que eu pudesse lidar com isso como um homem honrado. Pensei que não me importaria com o que você fizesse. Que suas atitudes não poderiam me atingir. Infelizmente, para nós dois, percebo que não é assim. — Uckerman fitou-a de frente. — Sir John Delapont está disposto a recebê-la, quando você for embora daqui com Tomáz?
— Do que... do que você falando? — ela murmurou, atônita.
— Estou falando sobre a sua partida.
— Você está planejando me mandar embora? — ela indagou num sussurro angustiado, amassando o pergaminho como se quisesse aplacar a dor e o desespero.
—Você me detesta tanto assim? Então a situação entre nós chegou a esse ponto?
— Se você quer partir, não vou impedi-la.
— Não estou pretendendo ir embora deste castelo, a menos que você me expulse. — Apesar de se esforçar para manter a serenidade, sua voz soava trêmula.
— Não vou ser feito de idiota dentro de minha própria casa. Não vou permitir que me apontem pelas costas, que riam de mim, que me ridicularizem. Se você me deixar, parte da vergonha a acompanhará.
— Christopher... — Dulce estendeu a mão, num gesto de súplica. — Não sei sobre o que você está falando. Quem o está chamando de idiota? Não consigo entender o motivo. Por quê?
— Eu sei que estou sendo traído. E não tente se fazer de ingênua, de desentendida. Já lhe disse que não gosto desse tipo de fingimento.
Oh, Deus, seu marido a estava acusando de cometer adultério? Ele acreditava que estivesse sendo traído?
— Com Tomáz? — ela falou, atônita, finalmente dando-se conta da seriedade do caso. — Você acha que eu o estou desonrando com Tomáz? — Dulce levantou-se e marchou na direção do marido, o dedo em riste. — Você está querendo dizer que, honestamente, me acredita capaz de cometer essa traição vil? E Tomáz também?
Suas acusações, sem dúvida, a tinham chocado. Então não devia ser verdade, Christopher pensou, exultante. Sua esposa devia lhe ser fiel! Ninguém conseguiria fingir assombro, choque e desespero com tanta perfeição.
Instantes depois a tortura da dúvida, que o consumia há dias, voltou a atormentá-lo. Talvez Dulce estivesse apenas surpresa pelo fato de ter sido desmascarada. Talvez estivesse espantada que alguém pudesse desvendar o conteúdo da carta de sir John Delapont de forma tão acurada.
— Você já me enganou antes. — Christopher cruzou os braços sobre o peito, como se para proteger o coração sofrido de uma nova desilusão.
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Esposa Rebelde - Vondy
RomanceA paixão incendiou aquele casamento de conveniência! Inglaterra Idade Média Arrogante o orgulhoso, sir Christopher de Uckerman exigia de sua esposa obediência absoluta. Mas a rebelde lady Dulce Sanviñon desafiou a autoridade de Christopher desde a...