Capítulo 63

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***Anne***

Mais uma noite havia chegado, junto dela uma brisa fria e a luz cativante da lua. Fechei minha janela e ajeitei as cortinas, só tentando aquetar como estava por dentro. Queria ter mais facilidade para deixar de pensar sem parar nos meus problemas, mas aparentemente tenho dom para deixar esses pensamentos ficarem rondando minha mente!
Me sentei de frente para minha penteadeira e comecei a escovar os fios ruivos e loiros do meu cabelo, olhava para o espelho enquanto pensava em tudo. Na verdade, não gostei de ver meu reflexo, minha imagem parecia cabisbaixa. Tenho que olhar pelo lado bom! Quer dizer, não sei se isso é bom... Mas talvez até acreditariam que eu estou de fato doente, como meu pai, que tem grande influência, teve que dizer para a diretora da faculdade para eu não frequentar a escola nessas últimas semanas.
Não consigo imaginar como seria ver aqueles dois de novo, encarar cara a cara... Sério, o que eu faço com relação a isso? Todo mundo se prepara para desilusões amorosas ou coisas do tipo... Mas como reagir a uma mentira dessas? Não sei mais nem como vai ser daqui para frente. De uma hora para a outra minha vida ficou de ponta cabeça... Também, o que eu esperava que iria acontecer ao me envolver com o "Ryan"? Talvez tudo isso seja para mim aprender a deixar de ser teimosa e acreditar da próxima vez que tudo apontar que vou me dar mal no fim da história.
Normalidade nunca foi o forte do que tivemos, eu também não sei mais o que pensar sobre ele, nem sei seu nome direito... Quer saber? Não me importo! Apenas quero esquecer, tentar ignorar tudo que me faz mal por um tempo... Pior que estou ignorando até mesmo meus amigos. Não entendo como o Thomas, Felipe e a Hillary podem estar tentando me fazer relevar. Tem como relevar uma mentira assim?!
Suspirei e guardei a escova de cabelo. Olhei a hora pelo celular e vi que já estava quase dando meia-noite, mas nada do meu sono aparecer.
Coloquei meu celular de volta na penteadeira mas tomei um belo susto com o barulho dos meus cachorros, que começaram a latir do nada. Olhei para o lado onde tinha a janela. Estranho eles latirem assim... Provavelmente viram algum gato ou esquilo na árvore.
Esperei eles pararem de latir mas não o fizeram, os latidos já estavam insistentes então fui até minha janela e a abri, pronta para mandar eles deitarem.
Mas assim que coloquei o rosto para fora dei de cara com uma certa pessoa agarrada como um gato amedrontado no galho da árvore.
- Só me diz... Por que vocês colecionam cachorros?! Sério! Cada vez que venho aqui o número aumenta!- Falou ele com os olhos arregalados e olhando com medo para os quatro cachorros que rosnavam o encarando.
- O que pensa que está fazendo aqui?!- Perguntei totalmente espantada. O "Ryan" era a última pessoa que pensava ver aquela noite!
- Nada demais, só pensei que seria legal ficar agarrado nessa árvore velha para fugir de cachorros raivosos.- Brincou sorrindo, mas apenas ouviu um "crec" da árvore que ele tinha acabado de difamar- É mentira! É mentira! Árvore boazinha... Amiga...
Falou com os olhos arregalados e fazendo carinho na árvore. Ele realmente tinha um público bem empolgado ali embaixo esperando que ele caísse.
- Você é louco?! Vir na minha casa essas horas, se meus cachorros não te pegarem, meu pai vai!- Falei nervosa.
- Não sei qual opção é menos perigosa. Mas sério mesmo que você ainda duvidava da minha loucura?
O encarei irritada, pois lembrei do porquê não queria mais me envolver nas loucuras dele. Eu nem sabia ao certo quem ele era dos gêmeos, apenas tinha palpites, era como se o conhecesse e ao mesmo tempo ele fosse um completo estranho.
- Você não deveria estar aqui. Vai embora!- Falei transparecendo a raiva na minha voz.
- Eu não vou antes de você me ouvir!- Ele me encarou.
- Não tenho nada o que falar com você.
- Anne... Por favor, eu estou arriscando minha vida aqui só para te pedir perdão! Sei que você está magoada, mas eu não vou ter sossego até conseguir falar com você... E já tentei falar do modo tradicional, só pra deixar registrado!
Eu registrei os berros que ele deu hoje de manhã tentando falar comigo. Mas claro que ele não iria desistir fácil.
Ouvi de repente alguém batendo na minha porta e corri para fechar as cortinas o mais rápido que consegui, só dando tempo de me virar assustada para ver meu pai colocando seu rosto para dentro do quarto e perguntando:
- Licença, filha... O que está havendo com os cachorros? Então latindo sem parar.
- Ah... É que... devem ter visto algum bicho estranho na árvore! Deve ser do tipo bem estranho...- Resmunguei sorrindo sem vontade- Eles sempre ficam agitados quando isso acontece. Mas eu já estava indo mandar eles deitarem!
- Ok, deve ser por esse motivo mesmo. Bom, eu e sua mãe já vamos dormir. Boa noite, filha.
- Boa noite, pai...- Anne sorriu disfarçando.
Meu pai saiu e eu voltei a abrir as cortinas.
- Obrigado pela parte do bicho estranho.- Falou ele se fingindo de magoado.
Revirei os olhos e resolvi ignorá-lo, apareci mais com o rosto para fora da janela e chamei a atenção dos meus cachorros para irem deitar, que pareceram um pouco inconformados de deixarem um "bicho estranho" na árvore, mas que obedeceram e foram para a parte de trás da casa.
O encarei, pronta para fechar a janela e fingir que nunca nos vimos naquela noite.
- Anne! Por favor!- Falou ele um pouco baixo por causa dos meus pais, mas parecendo com medo de eu o ignorar.
- Eu quero que você vá embora!- Sussurrei irritada.
- Vou embora, mas só se me ouvir!
- Me dê um bom motivo para fazer isso!- O encarei.- Depois de tudo, de ter mentido, de você e do seu irmão terem me manipulado e me usado, eu devo apenas esquecer todas as merdas que fizeram e te ouvir?
- Não estou pedindo para esquecer, apenas para escutar o porquê de eu ter errado tanto com você! E outra, meu irmão nunca te tocou!
- Como posso acreditar em você?! Pode estar mentindo de novo!- Falei explodindo.
- Não estou mentindo! Meu irmão é gay... e na verdade está com uma pessoa bem proxima de você.- Disse ele dando de ombros.
Parei pensativa e bem surpresa.
- Gay?... Está falando do Thomas?- Sim, eu sabia que ele era gay desde que a gente se conheceu, ele meio que sentiu que podia confiar em mim e disse algo que só a Hillary sabia até então... Mas nunca imaginei aquilo! Meu Deus... bem que reparei que ele estava diferente nos últimos tempos.
- Sim... Mas essa é uma outra história, bem longa por sinal e que depois o próprio Ryan pode te contar mais detalhes. O foco aqui é que eu preciso explicar o porquê dos meus erros, o único erro do meu irmão foi ter seguido meu plano e sido obrigado a esconder a verdade de todos. E a boa razão para você me ouvir... Seria a única coisa que você sabe que foi mais que verdadeira... Tudo o que sentimos um pelo outro nesses meses, Anne.
Lógico... Ele vai apelar! Que merda... Não, eu não estou abalada! Não me importo! Cruzei os braços e realmente fiz como se não me importasse.
- Fui mais do que um idiota por já ter começado a me aproximar de você mentindo e te manipulando, mesmo eu sabendo que você odiava isso. Sim! Sempre fui o pior tipo de cara que existe! Mas você fez eu querer melhorar isso em mim ao mesmo tempo em que eu queria continuar mantendo o que tinhamos sendo um jogo por medo de levar a sério, mas tudo ficou muito real e verdadeiro para mim! Saiu completamente do controle... no momento em que me apaixonei por você.
- Hum... E acha que falando e relembrando isso, tudo vai voltar ao normal? Sabe, cheguei a pensar até se o que sentimos também não passou de uma grande mentira... Porque é o que me parece.- Afirmei lançando um olhar frio para ele.
- Isso não, Anne! O que senti por você é a única verdade que tenho agora e por isso que estou aqui. Eu falei que não iria desistir de nós e não vou!
- Mas eu quero que desista!- Falei alarmada e o encarando inconformada- Porque eu já desisti! Perdi toda a minha confiança em você, Ryan! Digo...
Que raiva! Por que? Por que ele ainda tem que mexer tanto comigo?
Passei a mão no cabelo, sentindo um nó na garganta e lágrimas ameaçando cair. Mas eu não queria chorar...
Ele observava sentido, seus olhos traduziam culpa, mas olhar para ele só fez eu perder a luta contra as lagrimas e deixar ele ver elas deslizando por meu rosto enquanto eu ainda tentava evitar sem sucesso, acabei caindo em um choro sentido e silencioso. Aquilo realmente estava doendo...
- Me perdoe... Me perdoe por tudo isso, Anne. Eu realmente sou o culpado de tudo. Então me perdoe por ter revirado toda a sua vida, por não ter tido coragem de me manter longe ou de te afastar de mim, porque eu também sabia que poderia te machucar e mesmo assim era fraco para recuar... O que senti por você me deixava sem forças para isso e com medo de te perder.
- Parece que esse medo não adiantou de nada então...- Falei o encarando magoada. Ele tinha me perdido... Eu também precisava aceitar que tinha terminado.
- Sei que não adiantou. Perdi as contas de quantas vezes errei, sou um mentiroso... Nem eu sei mais se as pessoas podem chegar a confiar em mim, mas eu sinto que preciso te dizer tudo isso. Porque você me fez descobrir o valor da verdade- Ele me olhou diretamente nos olhos, que deviam estar cintilando das lágrimas que escorreram.
Apenas ficamos nos olhando em silêncio durante alguns segundos, tentava ignorar meu coração e prestar mais atenção na minha mágoa... Ele abaixou o olhar, parecendo culpado.
- Eu realmente te perdi?
Nossos olhares voltaram a se fixar.
- Sim- Minha voz falhou- Tudo o que tivemos foi mentira...
- Você acredita mesmo que o que sentimos um pelo outro foi mentira?- Ele agora também parecia sentido- Quero que diga se realmente acredita nisso... E também quero que seja sincera, você quer mesmo que eu suma? Se essa for a sua vontade... te deixo em paz.
Ele parecia contrariado a fazer aquilo, conseguia ver a agonia com que me olhava e ele com certeza via o mesmo em meu olhar, pois uma parte de mim queria dizer tudo aquilo, mas a outra, a parte do coração... sabia que eu que estaria mentindo dessa vez.
O silêncio se manteve, apenas nossos olhares continuavam falando por nós. Ele com certeza viu a resposta no meu.
- Eu estou cansado de mentir, isso só machuca as pessoas... Mas Anne o que eu senti por você foi tão forte... que posso dizer que te amo, Anne.

- Chega de mentiras, Anne. Quero só dizer a verdade agora e a única que nunca vou conseguir mentir... é que eu te amo, Anne.
Parei sem reação.
Apenas... tudo ao nosso redor parou parou.
Até ele dizer:
- É eu sei! Loucura, né? Eu também estou quase tendo um treco aqui, não sei se por medo de cair dessa árvore ou por eu realmente estar falando isso pela primeira vez! Acho que é mais a segunda opção!- Ele deu uma risada nervosa, eu realmente via o nervosismo ingênuo dele, como um adolescente ao se declarar.
- Meu Deus... Você vem aqui na minha casa me pedir perdão e dizer que me...- Falei me sentindo meio perdida. Não sabia como reagir...
- Prazer, Rychard! Esse sou eu...- Ele deu de ombros me olhando- Não sei conhecer uma garota normalmente, me apaixonar, namorar e ser feliz com ela, mas queria saber. Não adianta, sei que posso te pedir perdão várias vezes, não vou conseguir me livrar desse sentimento de que errei demais. Mas também não adianta eu dizer que vou te esquecer, que consigo me manter longe, porque nisso eu não consigo mentir. Agora que já falei, digo até de novo! A verdade é que eu te amo!
Eu permanecia olhando para ele com as mãos na boca, nós dois nos perdiamos ainda no azul do olhar um do outro e assim ficamos por bons segundos.
- Você é louco...- Falei tentando não sorrir. Meu Deus, por que é tão difícil mentir para mim mesma?
- Não, louco eu seria se te dissesse que você me fez querer trocar dez vidas de solteiro para passar o resto dessa do seu lado e querer muito namorar com você de verdade. Ter algo bem sério para que você me apresentasse para seus pais com um sorriso no rosto e que chegassemos a ter algo tão duradouro a ponto de um dia no futuro podermos trocar alianças de compromisso por uma de noivado e depois de casamento. E que após nossa adorada lua de mel onde faríamos o Ruan, a Rogéria, a Rosita e o Ramon, iríamos partir em busca de ter nossa casa e todas aquelas coisas bregas de casais, mas que com certeza iríamos amar porque teríamos essas coisas bregas de casais juntos, então construiriamos nossa família e veriamos nossos filhos crescendo e se tornando adultos, enquanto nós dois envelheceriamos bem juntinhos, até sermos idosos e nos orgulharmos do nosso amor e da nossa história... Ok, já pode confirmar que sou louco, porque é exatamente isso que eu quero!- Falava ele todo alarmado e rápido, como se tivesse feito uma viagem ao futuro e voltado.
Eu só conseguia olhar toda surpresa para ele, pelo menos até uma daquelas minhas rinsadas acabarem saindo. Olhei para cima e sequei uma última lágrima que escorria e depois sorri para ele balançando a cabeça. Por que ele tinha que ser tão louco assim? E por que eu tinha que gostar tanto disso nele?
- Parece que mesmo depois de tudo... Eu não aprendi a ficar longe de você. Acho que lá no fundo meu coração nunca quer se afastar...- Falei sorrindo e o olhando sentida.
- Vamos deixar nossos corações tomarem conta, então. Eles não mentem e eu prometo que também nunca mais vou mentir para você, Anne.
- Promete mesmo?- Perguntei agora um pouco preocupada.
- Prometo.- Ele se aproximou mais da janela.
Eu estava totalmente presa no seu olhar, mas uma coisa me fez ficar ainda mais presa do que apenas o azul maravilhoso dele, foi que daquela vez eu vi sinceridade ali...
Sorri e me curvei mais na janela para beijá-lo. Nós dois nos entregamos a um beijo cheio de sentimento, calmo e intenso, mas que me cativou por inteiro porque acima de qualquer coisa, era verdadeiro.
- Só mais duas coisas!- Falei séria parando de beijar ele por um momento.
- O que?- Perguntou ele parecendo preocupado.
- Nossos filhos não vão se chamar Ruan, Rogéria, Rosita e Ramon.- Fiz uma careta.
- Graças a Deus!- Falou arregalando os olhos, até ele mesmo se achava horrível para nomear.
Dei risada balançando a cabeça mais uma vez.
- E a segunda coisa?- Ele passou a mão ao lado do meu rosto.
Coloquei minha mão sobre a sua e sorri olhando para seus olhos que brilhavam como duas estrelas.
- Eu também te amo...
Vi ele abrir um belo sorriso, parecendo realmente feliz como nunca por ouvir aquilo, não faziamos ideia de que dizer e ouvir aquela frase afetava tanto o coração.
Voltamos a nos beijar com vontade e saudade, nos perdendo em momentos mágicos e eternos... Pelo menos até o momento em que ouvimos mais um "crec".
- Ai, não...- Falou ele com os olhos arregalados.
Apenas vi ele gritando e caindo que nem bosta do nada, mas por sorte, tinha uma moitinha para amortecer um pouco.
- Ryck! Você está bem?!- Falei toda apavorada da janela.
- Ai... Que emoção, você acertou meu nome pela primeira vez... Anne, o amor dói.- Resmungou Rychard dolorido lá de baixo.
Acabei rindo, talvez um pouco de nervoso e alívio. Mas fiquei tensa mesmo quando ouvi:
- Mas que barulheira toda é essa?
Eu e o Ryck olhamos para a janela do quarto ao lado, onde meus pais apareciam na janela preocupados.
- Ah... Oi, sogrão...
Dei um sorrisinho toda sem jeito, enquanto meu pai olhava para nós dois sem saber o que estava rolando.
- Ah, então pai... quero que conheça o Rychard. Meu namorado!
Foi o Ryck mesmo que disse que queria que eu o apresentasse aos meus pais sorrindo, mas não deixou explícito se era de nervosismo, o importante era que essa parte já podiamos riscar da nossa lista.

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⏰ Última atualização: Jun 01, 2018 ⏰

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