Capítulo Um - Parte 02

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Ela estava com a razão. O colchão cheirava muito mal. Mais do que isso, era velho, imundo e cheio de reboco. E ela queria que ele o carregasse pela rua? Exatamente na sua ci­dade natal, onde ele tentava se firmar para ser benquisto pe­los próximos trinta anos?

Mas que droga, ele pensou ao agarrar o colchão para er­guê-lo. Mesmo molhado ele pesava menos do que o outro.

— Abra a porta — ele disse, resignado, lutando para des­cer a escada e chegar à calçada.

— Está cheio de mofo, achei que isso poderia fazer mal ao bebê.

Nem tanto quanto seria se o reboco do teto caísse sobre ela, ele pensou, mas continuou carregando o colchão. Co­nhecendo sua sorte, o segurança devia pegá-los em breve. Fantástico. Já podia imaginar o diálogo entre os dois!

Na entrada do estacionamento ela parou para se certificar se não havia ninguém.

— Tudo bem — ela murmurou.

E ele sufocou uma risada, arrastou o colchão pelo estacio­namento e o soltou na caçamba logo que viu uma luz anun­ciando a chegada do segurança.

— Ei! O que estão fazendo aí? — ele gritou.

A mulher agarrou a mão de Alfonso, e os dois saíram cor­rendo. Ela corria e dava risada, puxando sua mão com uma força surpreendente. Então ele correu também, segurando-a quando ela quase caiu ao virar a esquina. Então a puxou para uma entrada es­condida a poucos metros da rua, colocando a mão sobre a sua boca e sentindo a saliência da sua barriga lhe pressionan­do enquanto ela se esforçava para não rir. E ele só pensava na maciez dos seus lábios sob sua mão e a sensação estranha daquela barriga comprimindo-o.

Em seguida, ele sentiu o bebê chutar, e o riso deu lugar a um desejo incontrolável de protegê-la. Não sabia nada sobre essa mulher, exceto que estava rei­vindicando o direito ao hotel, direito esse que foi contestado pelo filho do ex-proprietário que vendeu o imóvel a eles pou­co antes de morrer. O próprio filho lhes assegurou que sua pretensão era descabida e que a tiraria de lá em pouco tempo.

Isso foi seis semanas atrás, e ela não saiu. Agora Alfonso a encontrou e descobriu que estava grávida, o que mudava tudo. Ele quis saber mais sobre ela, conhecer sua história de vida. A mente de Alfonso lhe dizia que era por causa do hotel, e não pelos olhos sorridentes e a sensação do bebê lhe chutan­do, mas o coração dele era mais sábio. Pela primeira vez em quase um ano, Alfonso Herrera es­tava interessado em uma mulher, e tudo mais, inclusive seu bom senso, ficou sem sentido.

Seu parceiro de roubo botou a cabeça para fora e observou atentamente a rua.

— Nenhum sinal do segurança.

— Que bom. Acho que ele nem se preocupou, é preguiço­so demais. — Ela inclinou a cabeça para o lado, sabendo que deveria se afastar, mas estava gostando de segurar a mão dele e sentir o corpo dele no seu. — Preciso sair e procurar alguma coisa para comer — ela disse, sem entusiasmo, se preparando para comer de novo feijão enlatado, frio, mas ele só tirou a mão do seu ombro, deixando-a com uma sensação de desamparo.

— Você não se alimentou? — ele perguntou, espantado.

— Não, ou não estaria falando de comida.

Ele se afastou, e pela primeira vez ela pôde ver rosto dele, e parecia meio hesitante.

— Que tal comprarmos uma refeição para viagem?

— Mas você não disse que precisava dar um telefonema?

— Depois eu faço isso. De qualquer forma, também pre­ciso comer. Podemos comer na praia, estou convidando.

Parecia bom. Se fosse na casa dele, ela não iria, mas na praia não teria problema. Assim não se afastaria por muito tempo.

— Eu aceito — ela disse, sem querer recusar uma comida, qualquer que fosse a sua origem.

Vivia com fome por causa da gravidez, claro, o bebê su­gava tudo que precisava, e ela vinha se alimentando muito mal ultimamente. Ela não conseguia ganhar quase nada, e todo seu dinheiro era destinado a pagar as despesas com o processo.

— Comida chinesa, indiana, tailandesa, italiana...?

— Tailandesa, nem pensar. Pode ser chinesa?

— Claro. Tem um bom restaurante aqui perto. Venha, va­mos caminhando. A não ser que esteja cansada.

— Estou bem. Só estou grávida e com fome.

— Então vamos comer. Alguma preferência?

— Camarões empanados com legumes e arroz colorido — ela respondeu sem demora.

E pelo celular, ele fez o pedido, acrescentando yakisoba de frango. Nossa, quanta coisa gostosa! O restaurante ficava de frente para o mar, no final da coli­na que terminava na praia. Ela já havia comido lá uma vez, com Edgar, quando voltaram para Yoxburgh. Parecia que havia passado uma vida inteira. Duas vidas...

— Vamos entrar?

— Sim, claro.

Finalmente, com as luzes do restaurante, ela conseguiu vê-lo direito enquanto aguardavam a refeição no balcão. Seu carregador de colchão era bem interessante. Que era alto, ela já sabia, mas agora podia ver a beleza do seu rosto e do seu corpo, que mesmo em uma mulher no estado dela despertava interesse. Usava camisa social branca com as mangas arregaçadas, revelando antebraços fortes e bronzeados e um pes­coço poderoso. Seus ombros eram largos, nenhuma barriga e pernas compridas e magras no seu jeans confortável. Saudá­vel em todos os sentidos, ele era uma tentação. Nem que fosse só para tocar. Seu cabelo escuro era sedoso e brilhante, e ela logo pensou no cabelo dela depois de várias semanas lavando com água fria e detergente, e secando ao vento.

Só podia estar medonho.

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