Capítulo Três - Parte 04

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— Sim, como cozinhar para a sua empregada. E eu que pensei que eu era uma idiota. — Ela balançou a cabeça en­quanto procurava a chave na bolsa. — Tenha cuidado, está bem? Está correndo um grande risco.

— E ela, não está? Ela é vulnerável, Alice. Tão vulnerável e tão desesperada que aceitou trabalhar na casa de um estra­nho, um homem solteiro, de quem ela não sabe nada. Eu posso ser um estuprador, um pedófilo, sei lá, qualquer coisa. Ela só conversou com Pâmela. Como poderia Pâmela sa­ber se tenho ou não uma vida dupla? Eu poderia ser um ta­rado, e ela não saberia. Ninguém saberia. Que tal ver as coi­sas pelo lado dela? Como você se sentiria se estivesse na mesma situação?

— Está se esquecendo de que eu já vivi esta mesma situação.

— Não, não viveu. Quando Pedro a deixou sozinha, grávi­da, papai e mamãe estavam do seu lado. Já pensou se não tivesse ninguém? O que teria acontecido com você? Em, pelo amor de Deus, ela não tem ninguém. Não é por culpa dela. E ela me lembra tanto você...

— Está bem, está bem, eu desisto — ela disse. — Lembre-se de que eu o avisei. Vejo você amanhã, se ela não o matar até lá. E esconda bem sua carteira de dinheiro.

— Sim, mamãe.

Alice mostrou a língua para o irmão e saiu. Alfonso foi até o jardim para olhar para o mar enquanto se acalmava. O mar estava picado agora, o céu ficara escuro e ameaçador e, ao longe, ouviu-se um estrondo de um trovão. Havia uma faixa de chuva movendo-se pela água que a qualquer momento os atingiria. Graças a Deus Anahí estava longe daquele anexo cheio de goteiras.

Alfonso olhou para o quarto de hóspedes e se perguntou se ela ainda estaria dormindo. Provavelmente, ela parecia exausta. Deixaria que ela acordasse naturalmente. Ele pode­ria terminar de cozinhar quando ela acordasse e viesse pro­curá-lo, então comeriam juntos. Alfonso se deu conta de que aguardava ansioso por esse momento.

A voz de Alice ressoava na sua mente, mas ele a ignorou como fez com Augusto. Augusto e Alice não conheceram Anahí. Eles não tinham ideia de como Anahí era, e Alfonso não pretendia se envolver emocionalmente com ela. Ele ia gostar de ter companhia, só isso.

A chuva chegou forte, vergando árvores e arbustos, e ele voltou para dentro de casa e rapidamente fechou a porta. Ele consultou seu relógio.

Eram quatro da tarde, e ele estava com fome. Ainda não almoçara, e seu café da manhã tinha sido cedo demais. Ele encontrou alguns biscoitos, fez uma xícara de chá e foi até o escritório, deixando a porta aberta para que pudesse ouvir Anahí quando acordasse. Com sorte, ela não demoraria muito...

Alfonso mentiu para ela! Toda aquela bobagem de precisar de uma empregada. Ele era um deles! Um dos construtores que a queriam longe dali. Ele mentiu para ela, e a irmã dele teve a ousadia — que ab­surdo! — de desconfiar dela? Que atrevimento!

Anahí estava com vontade de vomitar. Com o coração batendo acelerado, o enjôo aumentando e as pernas bambas, Anahí juntou suas poucas roupas, colo­cou-as dentro da mochila e na bolsa de viagem. Juntou tudo que tinha importância para ela. Exceto pelo seu orgulho, que no momento estava em frangalhos.

Bem que ela estava desconfiada. Era bom demais para ser verdade! Tinha alguma coisa errada. Só foi mais rápido do que ela imaginava. Pelo menos ela teve a chance de tomar um bom banho e lavar a cabeça. Foi melhor assim, para não se acostumar com o conforto. Poderia voltar a ser uma sem-teto imediatamente!

— Venha, Pebbles — ela sussurrou, ao pegar a gata.

Saiu pé ante pé pelo corredor, depois pelo pequeno hall, abriu a porta e olhou se não havia ninguém por perto. Ficou imóvel quando ouviu uma porta se abrindo, mas logo ela se fechou e foi trancada por dentro. Ela espiou com cuidado pela fresta da porta e viu uma mulher de jeans e camiseta entrar em um carro. Então essa era Alice. Mais alta do que ela, mais gorda e mais velha, talvez. Parecia inofen­siva, mas Anahí ouviu sua voz. Dela e de Alfonso, que ecoavam nos seus ouvidos até agora.

Onde estaria Alfonso? Ela ouviu a porta da frente bater, e Alice não olhou para trás nem acenou, então achava que estava segura. Precisava correr, senão ela pegaria os portões automáticos fechados.

Droga. Não tinha pensado nisso. Prendendo a mochila no ombro e socando os pacotes de comida de gato na bolsa de viagem, ela saiu para o jardim, deu uma olhada em volta e correu atrás do carro. O caminho estava vazio e os portões começavam a fechar, então ela correu, passou pela brecha por pouco e saiu na calçada, olhando para um lado e para o outro. Nada. Alice já tinha ido embora. Ainda bem.

Anahí percebeu que estava chorando, e ela queria limpar aquelas lágrimas do rosto, mas suas mãos estavam ocupadas, então ela limpou no ombro e rumou para o hotel. Não era muito longe, talvez um quilômetro e meio. Seria fácil. Ela fa­ria um esforço, depois poderia desmontar no seu esconderijo. Ela só levou 15 minutos para chegar lá e, quando virou a esquina, controlando o choro, viu um operário pregando uma tábua sobre a porta dela. O choro ficou preso na garganta.

Pronto, perdeu seu esconderijo. Por mais sinistro que fos­se, ela se iludiu achando que o local era seguro, mas agora, até isso lhe tiraram. Tinha perdido tudo, a casa, o direito de ficar lá, a única arma que poderia usar contra Rafael pelos direitos da sua filha. Tudo foi por água abaixo num só golpe, até o emprego que ela acreditou que fosse seu passaporte para sair de lá não valia nem o papel onde fora escrito. Anahí riu. O que estava pensando? Nem sequer tinha um papel! Não tinha nada.

Em seguida, como se isso não bastasse, uma rajada de vento e chuva gelada caiu sobre ela deixando-a encharcada até os ossos.

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