Não era palpite, era fato, e ela disfarçou e desviou o olhar. O rapaz estava tão afastado dela que era ridículo, e ela nem sabia por que ele estava se incomodando com ela. Provavelmente por pena, mas ela não ia recusar uma refeição completa por questões morais. Seria burrice. Alfonso pegou a sacola no balcão e saiu com ela do restaurante, encaminhando-se até o outro lado da rua, para a calçada da praia.
— Aqui está bom? — ele perguntou parando ao lado de um banco, e ela acenou.
Havia iluminação suficiente na rua, a lua refletia sua luz sobre o mar, e a comida cheirava tão bem que ela começava a babar.
— Está perfeito — ela disse, tentando não pensar nele e no quanto era intangível, e se concentrando no assunto mais urgente. Ela se sentou sobre uma das pernas, de frente para ele e para a comida, e esperou enquanto ele tirava as caixinhas da sacola, espalhando-as sobre o banco para em seguida lhe entregar os pauzinhos.
— Sinto muito não ter um garfo.
— Os pauzinhos servem. — Ela rasgou o papel da embalagem e começou a comer. — Nossa! — ela disse sorrindo para ele. — Que delícia.
Foi só o que disse por um bom tempo.
— Sente-se melhor agora?
Finalmente, com a fome saciada, ela sorriu meio envergonhada.
— Acho que sim. Provavelmente vou explodir a qualquer momento, mas, sim, foi fantástico. Obrigada, e lhe agradeço também por ter carregado o colchão para mim.
— Qual deles? O que roubou ou o outro que você doou?
Ela riu, e seus olhos brilharam como o mar.
— Pelos, dois — ela disse, e em seguida o riso se desfez, e ela olhou para o mar com o semblante preocupado.
— Um tostão pelos seus pensamentos.
— Estava me perguntando se valeu a pena tanto trabalho com os colchões. Afinal, será por pouco tempo. Não posso ficar lá. Mas, por outro lado, se sair de lá perco as chances de lutar pelos direitos da minha filha, direito de herdeira.
— Filha? — ele se interessou, ignorando o resto. Depois ele descobriria uma maneira de lidar com isso, quando conversasse com Daniel e Augusto.
— Estou grávida de uma menina. Descobri quando fiz uma ultrassonografia. Fiz questão de saber o sexo, até porque agora somos só nós duas e eu queria começar a conhecê-la. Podemos conversar bastante agora.
Ele não fez nenhum comentário sobre isso, apenas sorriu.
— Já escolheu um nome para ela?
— Bem, com certeza não será Yoxburgh — ela disse rindo.
— Como?
— Porque meu nome é Anahí — ela explicou. — Aparentemente, por causa do lugar onde fui concebida, mas podia ser pior. Conhecendo a minha mãe, poderia ter sido Glastonbury ou Marrakesh, já pensou?
Ele achou graça.
— Devo concordar que Anahí é de longe a melhor escolha entre todos, mas sempre tive uma preferência pelas ilhas escocesas. — Ele estendeu a mão e sorriu. — Meu nome é Alfonso — ele disse, evitando revelar seu nome completo para não estragar o breve interlúdio.
Não ia demorar muito para ela descobrir quem ele era. E, quando isso acontecesse, ela passaria a odiá-lo. Neste momento ele parou de pensar, porque ela lhe segurou a mão, então sua mente parou de funcionar e foi seu corpo que assumiu o controle.
— E onde sua filha vai nascer? — ele perguntou, forçando-se a raciocinar e recolhendo a mão.
— Não sei, depende.
— Depende de quê?
— De ganhar a briga. — Ela suspirou. — É uma longa história.
— Tenho todo o tempo do mundo — ele disse e se virou no banco de forma a ficar de frente para ela.
Assim podia observá-la e tentar entender o problema que estava ameaçando as obras do hotel. Ele viu as suas mãos protetoras sobre o bebê.
— É uma história complicada.
— Não duvido disso.
— Passei minha vida toda viajando com a minha mãe, de um lado para outro do mundo, desde que nasci. Além de antropóloga, ela é meio hippie. Acho que sabia pouco sobre o meu pai além do nome dele, Enrique, mas isso não importa. Depois que eu nasci ele nunca nos viu. Eu vivia mudando de escola e às vezes, quando não havia nenhuma por perto, era minha mãe quem me dava aulas. Ainda assim eu consegui terminar meus estudos com notas suficientemente altas para cursar uma universidade.
— E o que foi que escolheu estudar?
— Direito. Queria ser advogada de direitos humanos, mas não concluí. Quando cursava o segundo ano, minha mãe ficou doente e quase morreu. Fui cuidar dela e nunca mais voltei. E, mesmo muito doente, ela se recuperou rapidamente, mas eu perdi o ano. Resolvi então aproveitar para viajar antes de voltar para Maastricht e retomar meus estudos. Fui para a Tailândia onde conheci Edgar, e passamos a viajar juntos. Viajamos pelo mundo de mochila nas costas, ele me mostrou alguns lugares que visitara e depois de um ano voltamos para Yoxburgh para ele ver o pai.
Ela fez uma pausa e ficou séria, enquanto ele observava fascinado, seu rosto emocionado.
— O pai dele, George, não estava bem e pediu a Edgar que ficasse para ajudá-lo a administrar o hotel, mas ele não quis ficar. E ainda queria me levar com ele, mas eu não fui. Assim, ele foi e eu fiquei para ajudar George a administrar o hotel e estudar por meio período. Uma das vantagens do modo de vida da minha mãe foi que aprendi muitos idiomas, portanto, pude ganhar dinheiro trabalhando como intérprete e fazendo traduções, já que George não podia me pagar nada. Em novembro, depois de quase um ano longe, Edgar voltou, mas foi por pouco tempo, nem esperou o Natal. Ele pegou algum dinheiro com o pai e voltou para a Tailândia, mas logo adoeceu e morreu. Ele nem chegou a saber que teríamos um filho.
Droga, isto era bem mais complicado do que ele imaginava. Ele não diria que lamentava porque estaria mentindo. Mas estava revoltado com o comportamento irresponsável do sujeito. Porém, não seria correto dizer isto para ela, ainda mais que não havia sinal de tristeza no rosto de lona, apenas resignação. Então ficou calado, observando-a acariciar a barriga saliente. Ele não conseguia tirar os olhos daquela mão que acariciava a barriga.
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Lar da Paixão (ADP)
FanficSem dinheiro, grávida e sozinha, Anahí Puente queria se estabelecer e criar raízes. Afinal, recebera alguns golpes duros da vida. Quando Alfonso Herrera a encontrou morando na casa vazia que ele acabara de comprar, sabia que deveria ter pedido que e...