Capítulo Dois - Parte 01

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— Precisamos nos encontrar.

Daniel resmungou, e Alfonso ouviu um barulho de lençol e um gemido de Pâmela ao fundo.

— Você sabe que horas são? — Daniel perguntou.

— Cinco e meia?

— E você acha razoável telefonar a esta hora? Numa ma­nhã de domingo?

— Conheci nossa inquilina no anexo.

— E daí? — ele perguntou depois de alguns segundos de silêncio.

— Ela está grávida.

Mais alguns minutos de silêncio.

— Precisamos nos encontrar.

— Foi o que eu falei — disse Alfonso. — Onde e quando?

— Já que está acordado, vai ser na sua casa, e você nos serve um café da manhã. Dê-me meia hora. E ligue para Augusto. Na certa ele vai mandar você para o inferno.

Não foi para o inferno que Augusto o mandou. Ele foi um pouco mais grosseiro do que isso, mas, como sua sugestão era anatomicamente impossível, Alfonso riu, desligou o telefone e foi tomar uma chuveirada. Depois encheu o forno com iguarias congeladas para esquentar enquanto fazia o café. Pouco de­pois, os dois chegaram.

— Espero que tenha um bom motivo para nos tirar da cama — disse Augusto ao entrar, de bermuda e camiseta, com cara de sono, cabelos desgrenhados e barba por fazer.

Daniel veio logo atrás dele.

— É bom, sim. Oi, Daniel. Desculpe tirá-los da cama tão cedo. Querem café?

— Cedo demais. Isto é cheiro de croissant?

— Isso mesmo. Podem se sentar que já trago nosso café da manhã.

Ele encheu três canecas de café e as levou para a mesinha da sala de estar, onde os dois estavam acomodados.

— Então, vamos falar sobre a inquilina grávida — disse Augusto ao degustar um marzipan. — Será que ela vai criar problema?

— Talvez. — Alfonso pegou um pain mi chocolat e se recostou no sofá. — Aparentemente, ela está grávida do outro fi­lho de Edgar Vásquez.

Ao ouvir isto, Daniel engasgou com o croissant e pousou sua caneca de café sobre a mesa.

— O quê?!

— Disse...

— Eu ouvi. Mas nem sabia que George tinha outro filho. Quais são as implicações?

— E como obrigá-la a sair se está grávida? — Augusto quis saber.

— Acho que não podemos e não há outro filho, ele já morreu. E ela não pode ficar lá, mas eu tenho um plano.

Depois de trocarem olhares os dois fitaram Alfonso com des­confiança.

— E qual é? — perguntou Daniel.

— Precisamos tirá-la do hotel e levá-la para algum lugar mais apropriado, um lugar onde o reboco do teto não ameace cair quando chover.

— O reboco do teto caiu? — Augusto indagou.

— Caiu no colchão. Foi assim que eu a conheci, quando estava roubando um colchão da caçamba do hotel para trocar com o dela.

— E foi quando você tentou impedi-la que ela lhe contou tudo isso? — Daniel perguntou.

— Não foi bem assim.

— E foi como?

Ao narrar a história, Augusto e Daniel riram muito, imaginan­do Alfonso correndo do segurança com um colchão, e ele per­guntou o que eles teriam feito no seu lugar. Os dois deram de ombros.

— De qualquer modo, eu a levei para comer perto da praia foi aí que soube da história dela. Se a criança for filha do irmão morto, e ela me garante que é, então ela também será herdeira da propriedade.

— Tem certeza?

— Não, mas eu acho que sim. Procurei informações na internet, e o assunto é meio confuso. O termo "nascituro" parece ter várias conotações, como já concebido e ainda não nascido, a ser concebido e para nascer no futuro, mas existe uma expressão que diz en ventre sa mère. Que quer dizer no ventre da sua mãe. Porém, não fica muito claro, e sem ver o testamento não dá para saber se a criança teria direito à heran­ça ou não. E ainda tem outro problema, o testamento sumiu. Precisamos arranjar-lhe um bom advogado.

— Precisamos?

— Sim, precisamos — ele falou logo. — Não podemos correr o risco. Já estou imaginando os jornais: "Mulher grá­vida morta em desabamento. Novos proprietários se eximem de responsabilidade".

— Não sei por que você não acordou nossos advogados às cinco da manhã, de um domingo, para participar desta reu­nião — Daniel ironizou.

Alfonso ficou envergonhado de admitir que só não fez isso porque não tinha o telefone deles.

— Precisamos nos aconselhar, é muito importante. Temos de tirá-la de lá.

— Eu concordo — disse Augusto. — Precisamos falar com nosso advogado antes de tirá-la de lá, para não ter de pagar pensão, além dos custos judiciais de uma luta que não é nos­sa. Na verdade, nada disso nos diz respeito. Poderíamos sim­plesmente despejá-la e deixar que a Assistência Social cui­dasse dela.

— Como pode pensar em fazer isso, Augusto? Ela deve estar com sete meses de gravidez.

— Existem pessoas capacitadas para cuidar de casos as­sim. E esse bebê não nos diz respeito.

— Isso não foi impedimento para você antes.

— Aquilo foi diferente — disse Augusto.

— Foi mesmo? Só estou preocupado em arranjar um ad­vogado para a moça, não estou falando em casamento...

— Vamos parar com isto, rapazes — Daniel os interrom­peu. — Poncho tem razão, precisamos nos aconselhar e trans­ferir a moça para um local seguro. A presença dela no hotel é irrelevante para a pretensão dela, já que nós compramos o imóvel.

— O problema é que ela não tem um contrato de aluguel, então não podemos despejá-la — Alfonso lembrou. — E se cair mais reboco sobre ela até a segunda-feira, não sei o que será de nós.

— E o que faremos?

— Tenho uma ideia.

— Por que será que não me sinto confiante? — perguntou Augusto com ironia, e Alfonso riu.

— Nem desconfio.

— Quer nos contar? — Daniel sugeriu.

— Antes disso vou elaborar melhor e discutir com ela.

— Não acha que deveria discutir isso conosco, primeiro — perguntou Augusto —, como seus sócios e coproprietários do imóvel?

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