Capítulo Três - Parte 03

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A cama macia era convidativa, assim como a vista, mas até agora o mar estava ganhando. Anahí foi até a sala, abriu a porta e sentiu o ar quente do verão.

Esplêndido. O apartamento para hóspedes, ou para empregados, era ligeiramente afastado do resto da casa e tinha seu próprio terraço. E, como tudo parecia bem limpo, ela pegou uma das almofadas para se sentar no chão de pernas cruzadas e fe­chou os olhos para deixar a mente vaguear. Sons. Canto de pássaro, o barulho suave das ondas estourando na praia, carros. Um latido de cachorro ao longe e, em segui­da, uma campainha mais perto. Ela resolveu se desligar, respirou fundo e relaxou, mas as vozes penetrantes, iradas e frustradas, foram ficando mais altas, e ela ouviu palavras que a deixaram paralisada.

— Você perdeu o juízo? - Alice perguntou irritada ao entrar na casa de Alfonso.

— As notícias correm, não é mesmo? Foi Pâmela foi quem lhe contou?

— Exatamente, foi Pâmela. Daniel disse que tinha um plano maluco de fazer dessa moça sua empregada! Que diabos pen­sa que está fazendo, abrigando uma sem-teto na sua casa? Perdeu o juízo?

Alfonso seguiu a irmã pelo corredor até o terraço onde ela passou a andar de um lado para o outro.

— Estava tentando resolver um problema. Achei que fica­riam gratos...

— Gratos? Porque perdeu o juízo?

— Porque tirei a mulher do hotel — ele retrucou. — Ela estava atrapalhando nossa reforma, e fale baixo. Ela está dormindo — acrescentou, tarde demais, se perguntando por que Daniel não ficou calado, ao menos até o dia seguinte. As­sim ele teria um trégua.

Mas não, ele não pôde esperar, e agora Alice estava ali, arrancando os cabelos, zangada com ele, não sem razão.

— Você enlouqueceu! — ela disse. — Augusto lhe avisou para não se envolver, mas você não escutou. Eu devia ter imaginado que você faria uma coisa dessas.

Alfonso encostou a porta para evitar que a discussão acordas­se Anahí.

— Alice, a moça está grávida. O quarto estava desabando sobre ela, como poderia deixá-la naquela situação?

— Nada disso me incomoda, o problema foi você tê-la trazido para viver na sua casa.

— Como se isso fosse um caso sem precedentes nesta fa­mília — ele disse.

Alice lançou lhe um olhar frio.

— Bem, exatamente, você é tão ingênuo quanto Augusto. Qual o problema de vocês, homens, com mulheres grávidas? Não resistem?

— Ora, Alice, ela não é Cecília, e eu não pretendo me casar com ela. Não estamos falando de uma adolescente que foi estuprada, Anahí é adulta e optou por ter o filho, é uma moça inteligente.

— Inteligente o bastante para enganar você, evidentemen­te! Ela é uma aventureira, Poncho, uma pessoa sem eira nem eira que veio parar em Yoxburgh!

— Não é bem assim. Ela é uma pessoa educada, inteligen­te, madura, engraçada, uma mulher corajosa que já viajou pelo mundo. Ela estava estudando direito em Maastricht! Ela tem a mente aberta — ele acrescentou.

— Então ela se formou? Droga.

— Não. Ela não chegou a concluir os estudos. A mãe fi­cou doente e...

— Muito conveniente. Então ela não é uma simples mochileira, ela é uma mochileira brilhante e articulada que en­controu uma maneira de tirar dinheiro de uma venda de um testamenteiro. Provavelmente estava convencendo o velho a mudar seu testamento, só que ele morreu antes de fazê-lo!

— Não! Ela estava cuidando dele porque os próprios fi­lhos o abandonaram. E aparentemente, antes de morrer, ele fazia planos para garantir o futuro daquele bebê! — ele disse.

— Aposto que sim. Então, onde está o testamento?

— É o que todo o mundo que saber. – ele falou. Alice revirou os olhos e bufou, impaciente.

— Enquanto isso, ela está tentando fazer com que o outro irmão, Rafael, apresente o testamento. Nossa! Vocês, homens, são tão ingênuos! Alfonso, ela é uma mulher perigosa! Como não percebe isso?

— Porque não acho que seja, ela só quer garantir o futuro da filha, o que há de errado nisso? Cecília se casou com Augusto por esse motivo, e por causa disso Valentina está em se­gurança, é amada e tem um futuro garantido.

— Só porque eu pude ajudar Augusto a cuidar dela quando Cecília morreu? Mas não vou ajudar você a se meter na mes­ma confusão, pois vi como Augusto ficou depois disso. Até hoje ele se culpa pela morte de Cecília.

— Isso é ridículo — ele disse. — Ela morreu porque atra­vessou a rua sem olhar, ele não teve culpa. Mas se eu tivesse deixado Anahí no hotel e o teto desabasse sobre ela, a culpa seria minha. E eu não quero ter isso na minha consciência, e você também não devia. Nem Augusto, Daniel ou Pâmela. De qualquer forma, eu achei que você ficaria feliz de saber que ela não estava mais lá. Ao menos assim podemos dar prosse­guimento à demolição e manter a obra dentro do prazo. Não estamos fazendo caridade aqui, e eu preciso ter lucro no meu investimento, assim como vocês.

— Você vai terminar cheio de problemas — resmungou Alice. — Conhecendo você, vai se apaixonar, e ela vai dei­xá-lo arrasado da mesma maneira que Catherine o deixou.

— Deixe Catherine fora disso! — ele reclamou. — Isso não tem nada a ver com Catherine.

— Isso diz respeito a você e sua incompetência para jul­gar o caráter das pessoas. Bem, quando ela o roubar e pro­cessá-lo por assédio sexual, não venha me dizer que não avisei!

— Tolice, você está sendo ridícula! Não tenho nenhuma intenção de me envolver com ela. Ela está esperando o filho de outro homem, e não estou nem um pouco interessado nela — ele mentiu. — O trabalho de empregada é só para tirá-la do hotel, e se ela for eficiente, melhor para mim. Re­solverei dois problemas de uma só vez; três, se contar a se­gurança do bebê, sendo você a mulher de coração mole que eu sei que é.

— Não aposte nisso — ela disse e levantou um dedo na direção dele. — E quanto ao bebê, como sabe que ele é mes­mo do outro irmão? Pode ser de qualquer outro homem...

— Você nunca viu a moça — ele a cortou. — Como pode me acusar de me enganar sobre o caráter das pessoas? Ao menos eu conheci a moça para poder julgá-la. Por Deus, ela queria ser advogada de direitos humanos!

— Belo discurso. Pena que tenha se apaixonado por ela. Quando foi que ela lhe disse isso?

— Na meia hora em que passei com ela ontem. Que é bem mais do que você. E quando foi que você passou a ser tão cínica e amarga?

— Quando Pedro me largou porque não estava interessa­do nos próprios filhos! Poncho, por favor, tome cuidado. Ela pode até ser uma santa, mas e se não for? E se ela for uma bandida querendo lhe aplicar um golpe? Não vou agüentar ver isso.

— Não se preocupe. Estou preparado para assumir o ris­co, pois acredito nela, mas se for para tranquilizá-la, vou preparar um contrato de trabalho amanhã mesmo — ele dis­se, voltando para a cozinha e para as cebolas que cortava quando ela chegou. — E agora, se você não se importa, te­nho coisas a fazer.

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