Acordei de mais um pesadelo & por momentos penso que me esqueci de tudo o que era. De quem era. Junto com a minha necessidade senti uma raiva incontrolável que tomou conta de mim.
Desci as escadas & deparei-me com o Harry na cozinha. Tentei correr até à porta mas senti os seus braços na minha cintura.
- "Solta-me!" Implorei.
- "Nunca. Meg, por favor... Pára." Disse.
Tentei soltar-me com todas as forças do meu corpo & consegui agarrar numa moldura que atirei contra a porta. Ao ouvir o som dos vidros no chão, empurrou-me para o meio da sala de estar para que não me magoasse.
- "Deixa-me sair daqui!"Gritei.
- "Não me obrigues a levar-te para uma clínica, por favor. Nós conseguimos fazer isto. Estás apenas no ínicio, só precisamos de alguns dias. Por favor, deixa-me cuidar de ti..." Pediu.
- "Tal como prometeste cuidar antes & depois te enfiaste na cama com uma cabra qualquer enquanto esperava por ti todos os dias? Enquanto chorava todas as noites até o meu corpo não aguentar mais & adormecer? Não acredito em ti. Vai-te lixar!" Afirmei.
-"Isto é tudo culpa minha..." Disse & pude ver as lágrimas que percorriam o seu rosto.
- "É tudo culpa tua! Tudo. Deixa-me sair daqui!" Voltei a gritar.
- "Não!" Gritou mais alto do que eu.
Caminhou na minha direcção. Encontrava-me demasiado fora de mim.
Agarrei em tudo o que aparecia ao meu alcance para tentar mantê-lo longe.
O chão da sala parecia um campo de batalha. Um campo minado de vidros. E eu encontrava-me no meio. Como uma bomba prestes a explodir. Uma bomba que magoaria tudo à sua volta, sem misericórdia.
Ele não teve medo algum de se magoar. Queria somente proteger-me & caminhou. Atravessou o campo de batalha & alcançou-me. Tentou ver de onde viria o sangue que escorria em mim.
- "Não me toques, Harry." Pedi.
Senti o seu toque na minha pele & a minha mão alcançou o seu rosto.
Nunca irei esquecer esse som. Nunca irei esquecer a marca no seu rosto.
Nesse momento algo mudou em mim. Ver os seus olhos cheios de lágrimas despertou algo dentro do meu peito. Deixei que me tocasse. Deixei que me abraçasse. Deixei que os nossos corpos caíssem no chão. Deixei que toda a dor abandonasse o meu corpo. Chorei descontroladamente. O Harry possuia-me dentro dos seus braços, aconchegando a minha cabeça no seu peito.
- "Vais ficar bem. Prometo." Beijou a minha testa & chorou junto comigo.
Estancou o sangue & abriu a cortina do duche, metendo água a correr. Encontrava-me sem força alguma. Senti o seu toque ao retirar a minha roupa. Não trocámos palavras. Pegou-me ao colo & colocou-me sentada na banheira onde me enrolei como uma criança assustada. Senti a água percorrer o meu rosto em conjunto com as lágrimas que teimavam em correr também. Mantive-me ali durante alguns minutos até que desligou a água & enrolou uma toalha à volta do meu corpo. Retirou-me novamente ao seu colo & sentou-me no balcão em frente ao espelho onde tratou das minhas feridas.
- "Tens muitas dores?" Perguntou & neguei com a cabeça. A dor psicológica era demasiado forte para que conseguisse sentir dor física.
Aquela semana foi uma das piores de toda a minha vida. Os primeiros dias foram um verdadeiro pesadelo. Mas a cada dia que passava sentia-me mais forte fisicamente & psicologicamente.
- "Como te sentes hoje?" Perguntou.
- "Melhor. Obrigada. Tens que voltar ao trabalho..." Pedi.
- "Não te preocupes com isso agora. Ainda falta algum tempo para que existam mais concertos. E relativamente ao resto, não tens que te preocupar. Eles têm ligado todos os dias. Querem ver-te. Penso que estás preparada... Sei que lhes faria bem & a ti. Posso convidá-los para jantar esta noite?" Perguntou.
- "Sim..." Respondi.
O dia passou de forma tranquila. Sentia-me em paz. Vi um filme com o Harry que nunca me abandonou nem por um minuto.
Tomei duche & vesti algo para os receber.
- "El." Gritei ao avistá-la à porta.
Correu até mim & abraçou-me. Permanecemos assim durante algum tempo. Tinha demasiadas saudades. Aos poucos foram chegando & pude aproveitar a companhia de todos. Senti falta daqueles momentos. Pedi desculpa a todos por tudo o que os tinha feito passar.
- "Nós apenas queremos o teu bem. Sempre. Não te voltes a esquecer disso." O Liam disse.
- "Nunca mais te quero ver afastada de nós desta forma." A Danielle pediu.
- "Nunca mais." Sorri.
-"Amanhã queres sair & apanhar um pouco de ar?" A Eleanor perguntou.
- "El..." O Harry disse.
- "Não te preocupes, também consigo tomar conta dela. Não a vou colocar em nenhuma situação stressante." Respondeu.
- "Sim, vamos." Respondi entusiasmada.
Divertimo-nos durante algumas horas mas ficou demasiado tarde & sabia que teriam que ir embora.
Vesti algo para dormir & deitei-me na cama.
- "Queres que fique contigo?" Perguntou.
- "Tens ficado aqui todas as noites, Harry." Respondi.
- "Mas agora estás melhor... Confio em ti. Se necessitares de mim basta ires até ao quarto do lado." Disse.
- "Podes ficar aqui..." Afirmei.
- "Tens a certeza de que queres isso?" Perguntou.
- "Tenho." Sorri.
- "Gritaste imensas vezes pelo nome da tua irmã durante estes dias..." Disse preocupado.
- "Penso que tudo o que aconteceu naquela noite na discoteca despertou algo em mim..." Disse não terminando a frase.
- "Tudo bem... Posso esperar." Disse.
- "Não... Apesar de tudo o que se passou, significas imenso para mim..." Disse.
-"Estou aqui." Sorriu.
- "Um dia de Inverno como tantos outros. A chuva caía de forma bastante intensa & os trovões ocorriam de minuto a minuto. Os meus pais encontravam-se no emprego & eu tomaria conta dela. Saí da escola & caminhei até à dela como sempre mas a caminho de casa o chapéu partiu-se com a força do vento & chegámos totalmente encharcadas. Enfiei-a no duche quente para que não ficasse doente mas apesar das minhas tentativas, ficou com febre passadas algumas horas. A febre continuou a subir & não conseguia contactar os meus pais, provavelmente devido à tempestade, penso que certos factos estão destinados a acontecer.
A farmácia ficava apenas a 10 minutos portanto em menos de meia hora estaria de volta. Aconcheguei-a na sua caminha, beijei a sua testa & disse que voltava rapidamente. Corri até à farmácia debaixo de chuva. O vento estava a ficar demasiado forte. Demorei um pouco mais do que o previsto. Quando voltei reparei que os portões do estábulo se encontravam abertos, os cavalos estavam agitados & corri para os fechar. Ao aproximar-me ouvi gemidos de dor. Corri & encontrei-a deitada no chão. Não consegui avançar quando reparei na poça imensa de sangue que a rodeava. Chamou pelo meu nome & despertei. Ajoelhei-me junto a ela & tentei que me explicasse tudo o que tinha acontecido. As lágrimas escorriam descontroladamente pelo meu rosto. Encontrava-se cada vez mais fraca & não conseguia entender o que me tentava dizer. Reparei no sangue que escorria pelas suas partes íntimas & entendi tudo o que lhe tinham feito. O meu anjinho tinha sido violado & agredido. Deixaram-na a morrer, para que não pudesse contar nada... E foram bem sucedidos. A sua respiração tornou-se mais fraca. Desfaleceu nos meus braços... Para sempre..." Contei.
- "Lamento muito... Não poderia imaginar..." Disse cabisbaixo.
- "Alguns dias mais tarde um deles confessou & entregou os outros dois.
O meu pai tentou fazer justiça pelas próprias mãos & quando não foi bem sucedido, enloqueceu. Enloqueceu a ponto de nos abandonar. Nunca mais voltou. Talvez por medo. Talvez por vergonha. Nunca mais o vi... Abandonou-nos no momento em que mais necessitávamos dele..." Disse tentando controlar as lágrimas.
- "Meg..." Sussurrou & tomou-me nos seus braços onde me senti novamente protegida. O suficiente para deixar que toda a dor abandonasse o meu corpo.
Passados alguns minutos, os meus soluços desapareceram... O meu corpo deixou de tremer & tornou-se mais fácil respirar.
- "Salvaste-me..." Sussurrei contra o seu peito.
- "Prometi que tentaria sempre fazê-lo." Respondeu.
Entendi que não poderia viver sem que ele estivesse presente na minha vida. Talvez somente como amigo... Não tinha certezas de nada. Mereceria outra oportunidade? Mereceriamos outra oportunidade?