Finalmente o dia em que saberiamos o seu sexo tinha chegado. Não poderia estar mais ansiosa & resplandecente. Olhei para o Harry que corria de um lado para o outro da sala de estar.
- “Amor, procuras por algo?” Questionei.
- “Não sei onde coloquei as chaves do carro.” Afirmou.
- “Já procuraste em cima do móvel do hall de entrada?” Perguntei.
- “Sim. Não as encontro.” Respondeu.
- “Harry... Consigo vê-las em cima do móvel.” Esboçei um sorriso.
Soltou um suspiro mas rapidamente a sua respiração voltou a ficar acelerada. Coloquei a minha mão no seu peito & senti a forma como o seu coração batia de forma totalmente descontrolada.
- “Querido... Podes respirar fundo, por favor?” Pedi.
- “Não consigo, estou demasiado ansioso.” Disse.
- “Não és tu que afirmas saber que é uma menina? Para quê tanto nervosismo?” Deixei escapar uma gargalhada.
- “Tem imensa piada, Meg.” Disse.
Beijei os seus lábios & abraçei o seu corpo, sentido-o relaxar nos meus braços.
Caminhámos até ao carro & dirigimo-nos até à clínica.
- “Prontos para saber o que vos espera?” O médico perguntou & sorriu.
- “Mais prontos do que nunca.” Afirmou.
Deitei-me sobre a maca & senti a mão do Harry na minha. Senti a forma como os seus dedos se entrelaçavam nos meus.
O meu corpo arrepiou-se ao sentir o gel na minha barriga. O médico começou a sua observação & passados alguns segundos que quase pareceram uma eternidade.
- “É uma menina.” Afirmou.
- “A minha princesinha. Eu sabia.” O Harry exclamou.
- “Vou ter que levar com isto durante quanto tempo?” Questionei & soltei uma gargalhada.
Esperei que o médico me desse autorização para me levantar mas continuava concentrado na sua observação. Reparei que sussurrava algo ao ouvido da assistente.
- “Vamos só esperar um pouco pela minha colega.” Afirmou & sorriu.
- “Passa-se algo de errado?” O Harry perguntou alarmado.
- “Vamos só esperar um pouco.” Voltou a sorrir.
Segundos voltaram a parecer uma eternidade. Olhei para o rosto da médica que entrou pela porta & sorria da mesma forma que ele.
Segurei mais forte na mão do Harry que permanecia imóvel junto a mim. Após alguns minutos & imensa ansiedade, finalmente voltaram a sua atenção na nossa direcção.
- “Megan... Antes de explicar o que quero, gostava de te dizer que nada disto é devido a algo que tenhas feito. Nenhum de vós. A culpa não é tua pois é algo bastante comum numa primeira gravidez.” Disse & não necessitei que continuasse para que as lágrimas caíssem pelo meu rosto.
- “Lamento muito...” O médico afirmou.
Mal senti os lábios do Harry na minha testa ou os seus braços que rodeavam o meu corpo. Tinha partido. A nossa menina tinha partido & não havia nada que pudéssemos fazer. Nada que estivesse a meu alcance. Senti-me impotente & a dor tomou conta de mim.
- “Neste tipo de abortos espontâneos sem sintomas temos duas opções... Ou deixamos que a natureza siga o seu curso ou poderemos optar por uma remoção cirurgica...” A médica disse com uma expressão quase tão devastada quanto a nossa.
Senti que seriam quase injustos ao me questionarem sobre algo assim num momento em que me encontrava tão frágil. Sabia que teria que reunir todas as minhas forças & tomar uma decisão o mais rápido possível para não prolongar mais o nosso sofrimento.
- “Penso que ela necessitará de algum tempo para ponderar.” O Harry disse.
- “Cirurgicamente. Quero que a retirem.” Afirmei.
- “Meg...” Tentou dizer.
- “Quero que a retirem de dentro de mim. JÁ!” Gritei mergulhada em dor & lágrimas .
Estava dormente pela dor emocional & mal reparei quando me levaram para a outra sala. Mal me recordo da maior parte das coisas. Mas recordo-me dela. Recordo-me do seu aspecto & do quão linda já era mesmo não se encontrando totalmente formada aos quatro meses de gestação. Recordo-me dos seus pequenos dedinhos. Recordo-me dos seus pequenos pézinhos & as ruguinhas que os preenchiam. Recordo-me da expressão do Harry quando a viu sobre a maca fria. A sua princesa tinha partido. O seu coração estava partido. O meu coração tinha partido um pouco consigo. Tinha roubado um pouco de nós & levado o nosso amor para onde quer que fosse. Onde quer que se encontrasse.
Os primeiros dias após o regresso a casa foram como viver dentro de um pesadelo.
- “Megan, come, por favor.” Ouvi-o implorar vezes sem conta.
- “Não tenho fome, Harry.” Respondi.
- “Já não aguento muito mais. Não aguento ver-te morrer aos poucos. Não aguento morrer por dentro & não ter o teu apoio.” Afirmou & caminhou pela porta.
Os dias eram preenchidos por discussões. Eram preenchidos por pazes.
Pela primeira vez consegui entrar no seu quarto & caminhei até junto do móvel onde se encontravam os peluches. Toquei num deles & peguei-lhe ao colo. Absorvi o seu odor & desejava que não cheirasse a novo. Desejava que tivesse o seu odor. Desejava que cheirasse a todas as gotas de leite derramadas. Desejava que cheirasse a todas as lágrimas nocturnas. Desejava que cheirasse a si.
Senti as suas mãos na minha cintura & virei o meu corpo. Coloquei a cabeça no seu peito & deixei que a dor tomasse conta de mim.
- “Amo-te Megan.” Disse & apertou-me contra si.
Nos dias seguintes continuei a deixar que o sofrimento fosse mais forte.
Numa noite necessitei de ar fresco & caminhei até à varanda onde o encontrei aninhado no chão a olhar para o céu. Ouvi o som que tentava abafar para que não o ouvisse no interior. Observei a forma como as lágrimas caíam no seu rosto mesmo misturadas com a chuva fraca que caía. Entendi o quão egoísta tinha sido durante o último mês. Foi como se me encontrasse em transe & o seu sofrimento me despertasse. Sentei-me junto a si, abraçei o seu corpo & deixou que o seu rosto encontrasse conforto no meu colo.
- “Perdoa-me Harry. Perdoa-me.” Pedi.
- “Nunca mais voltes a fugir de mim desta forma. Perdemos a nossa filha. Perdemos a nossa bebé & fugiste de mim, deixando-me mais sozinho do que nunca...” Afirmou.
- “Não queria que suportasses a dor de ambos...” Desabafei.
- “Já o fizeste por mim & faria o mesmo por ti as vezes que fossem necessárias... Mas tem sido tão díficil. Tão díficil...” Afirmou.
- “A partir de hoje voltarei a lutar a teu lado.” Afirmei.
Limpei as suas lágrimas & aconchegou-se mais junto a mim.
- “Sabes porque tenho vindo mais até aqui?” Perguntou.
- “Não...” Respondi.
- “Para observar a nossa pequenina. Acredito que seja uma daquelas estrelas mais brilhantes.” Sorriu.
- “Achas que nos está a observar?” Questionei.
- “Tenho a certeza que sim.” Respondeu.
Ficámos ali durante bastante tempo. Voltámos a ser um só. A sua dor era a minha & a minha dor era a sua. Observámos o céu. Observámos a nossa bebé & rezei para que estivesse num lugar seguro.
- “Boa noite querida. Até um dia.” Sussurrei antes de fechar a porta da varanda & voltar para o interior.