Dia 1 - O terror das autoridades (Any)

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Sempre achei que a única situação que me deixaria de fato desesperada, seria assistir a meus pais ficando velhos, doentes, até o dia em que morressem. Imaginar uma vida sem eles ao meu lado era algo que sempre tirou meu chão. Nunca me vi preparada o suficiente para o mundo. Meus pais são os meus melhores amigos, e era assustador só imaginar não ter eles por perto.

Eu sei que eles estão seguros em casa, até porque essas pessoas aqui fora, estão procurando somente os jovens. Mas é exatamente por isso que me sinto assim, desesperada. O meu medo sempre foi viver sem meus pais, mas fui egoísta em nunca me perguntar o medo que eles têm de viver sem mim. Eles podem até estar protegidos, mas com certeza estão tão desesperados quanto eu.

O relógio pendurado em cima da lousa marca 9 horas da noite. Eu estava dizendo a mim mesma que nós íamos sair desse lugar em segurança, eu precisava ficar calma se quisesse manter a Shivani e a Hina também calmas.

Foi depois do intervalo que a loucura começou. Enquanto estávamos todos no refeitório, ouvimos a voz de nossa diretora, Sra. Rita, nos auto-falantes. Lembro nitidamente da mensagem:

"Atenção! Todos os alunos! Peço a atenção de todos! A escola está sendo confinada nesse exato momento! Não será permitida a entrada e muito menos a saída de nenhum aluno até darmos as próximas instruções. Repito: A escola será fechada por questões de segurança! Retornem para as suas salas imediatamente e aguardem por mais informações! Grata!"

Eu lembro que olhei para a Shivani com um olhar de confusão, e logo conseguimos ouvir os gritos de uns e o sussurrar de outros através do refeitório.

- Que está contecedo ? - perguntou Hina, também com uma expressão de confusão em seu rosto.

- Ainda não sei, mas pelo que consegui entender, devemos voltar para as salas de aula, porque a escola está fechada.

- Fechada? - retrucou ela - Por quê?

- Não sei te dizer o porquê, mas a diretora disse que é para nossa proteção.

- Você realmente acha isso? - Perguntou Shivani passando uma das mãos no rosto. Havia notado que ela não estava se sentindo nada bem com aquele anúncio. Não que alguém estivesse para ser sincero. Mas o motivo dela era diferente.

- Porque não acharia? - Perguntei curiosa.

- Não sei explicar direito Any. Eu nunca vi algo como isso acontecer nas escolas que estudei aqui na América, mas na Índia, esse tipo de coisa acontecia o tempo todo, e não era para nossa segurança.

- Como assim? - Perguntei tentando entender onde ela queria chegar.

- Eram frequentes as vezes em que tínhamos que ficar presos na escola. Eu não lembro de muitos detalhes, eu era bem pequena, mas eu me lembro do sentimento, me lembro de como me sentia abandonada. As professoras diziam que também era para nossa segurança, mas nunca, em nenhuma das vezes, me sentia segura.

- Por que eles fazer aquilo? - Perguntou Hina, realmente se esforçando para participar da conversa.

- Geralmente era para que os homens mais ricos e de poder possam entrar nas salas e... digamos assim... analisar as meninas.

- Que horrível isso. - Respondi.

- Sim. Eles de tempos em tempos, olhavam as garotas, escolhiam as preferidas, para que assim que elas completassem 12 anos, pudessem se casar, geralmente com os filhos deles.

- Mas amiga, eu achava que casamento infantil já havia sido proibido lá.

- E é proibido! Mas aqueles homens eram ricos, ninguém conseguia impedir aquilo. Esse foi o principal motivo para eu e minha mãe nos mudarmos para cá. Eu costumava fugir e me esconder nessas horas, mas nem sempre dava certo. Era horrível, e eu não lembrava disso a um longo tempo. Mas agora, é como se estivesse acontecendo de novo.

- Eu sinto muito por você amiga. Mas uma coisa eu posso te garantir, nada de ruim vai acontecer com você aqui. Como você mesmo disse, isso nunca aconteceu nessa escola, e se ela está sendo fechada, tenho certeza que têm um ótimo motivo.

- Espero que você esteja certa Any.

- Enquanto continuarmos juntas, vai ficar tudo bem. Vamos apenas seguir as instruções e ir para alguma sala de aula. Vai dar tudo certo.

Eu procurei o lugar mais longe possível para ficarmos. As coisas não estavam tanto sob o controle da escola. Muitos alunos foram para a diretoria tentar entender a situação. Não acho que foi a melhor escolha. A história da Shivani havia me deixado bem preocupada. Então por dúvidas, achei melhor irmos para uma sala de aula que não seria tão procurada por outros.

Corremos para a sala onde tínhamos aula de marcenaria prática. Aquela sala ficava muito bem escondida, eu lembro que alguns anos atrás, antes de virar uma sala de aula, aquele lugar era o depósito de materiais quebrados da escola. Então para chegar lá, descemos dois lances de escada até o subsolo, depois passamos por outros três corredores até chegarmos na última sala à nossa direita. Com a placa na porta "Marcenaria. Entre apenas com autorização."

É lógico que a porta estava trancada, mas usei o extintor de incêndio que ficava no corredor para quebrar o vidro da porta e destrancar-lá por dentro.

Talvez tenha sido um exagero da minha parte vir até aqui e ainda cometer um ato de vandalismo na escola sem nem saber direito o que está acontecendo? Sim, pode ter sido um exagero. Mas eu prometi para a Shivani e a Hina que iria ficar tudo bem, e não poderia correr o risco de ficar lá em cima com o resto dos alunos.

Até onde eu vi, as pessoas estavam ficando loucas só com a ideia de ficarem trancadas na escola, e se eles decidissem fazer uma rebelião, ou arrombar as portas, ou coisa pior? Seria perigoso demais estar ali no meio. Prefiro estar aqui escondida e isolada, e principalmente protegida.

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