Coragem

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A chuva caiu, parou, as nuvens deram lugar ao céu e as estrelas apareceram no horizonte, e ainda assim, os dois não encontravam a coragem de sair dali. Agora escondidos por conta de uma família que tinha se aproximado para desfrutar da cachoeira, os dois se abraçavam forte atrás de uma pedra na cachoeira, por baixo do cair da água. Ninguém nunca chegaria ali, mas Luccino, que era conhecedor de grutas por trás de quedas d'água, encontrou caminho fácil até uma rocha seca, aonde estavam agora, aninhados no escuro, com somente a luz da lua iluminando fracamente o caminho de volta para a lagoa.

Nenhum deles parecia ter intenção de sair dali tão cedo, porém.

Luccino brincava com os dedos de Otávio enquanto Otávio deixava seus olhos fechados e colocava sua face contra os cabelos compridos de Luccino, os dois um tanto quietos, sem saber o que dizer.

Era como se não houvesse mais esperança nenhuma em seus caminhos.

Mas depois de pensar muito, Otávio decidiu seguir em frente, respirando fundo e se ajeitando para se levantar. Luccino deu um pulo para o lado, assustado com a movimentação repentina, e olhando para Otávio quando este se levantou e lhe estendeu a mão.

- Vamos?

- Vamos? Como assim vamos? – Luccino perguntou, surpreso, seus olhos arregalados e brilhantes sob a luz fraca da lua. – Nós temos que ficar... esperar ao menos que Mariana volte. Se ela não voltou, deve ser porque Cecília contou a todos...

- Claro que não, Luccino – Otávio suspirou e balançou a cabeça, pegando suas mãos e puxando o italiano para cima. – Ela não deve ter contado nada a ninguém. Cecília poderia até nos odiar mas ela nunca faria isso.

- Você não sabe – Luccino insistiu, se colocando mais perto de Otávio, mas o major simplesmente sorriu e beijou as mãos calejadas do mecânico.

- Sei. Sei sim – ele murmurou, beijando todos os nós de seus dedos. – Eu e você já passamos por muito juntos. Por muito mais separados. Não podemos desistir assim.

- Você sabe que eu não gosto de desistir, de me esconder – Luccino falou, baixo, um tanto receoso. – Mas eu também não... não esperava que Cecília fosse descobrir assim.

- E como ela descobriria? Você contaria para ela? – Otávio replicou, levando uma de suas mãos para a face de Luccino. – Não contaria. Então, essa era a única forma dela descobrir.

- Otávio, você não está com medo? Que ela tenha contado à pousada, que ela tenha chamado Rômulo até aqui? Nada disso lhe dá medo de voltar? – ele perguntou, preocupado, já que Otávio era conhecido por suas crises repentinas de covardia.

Mas Otávio parecia sereno e decidido.

- Não tenho medo de nada se tiver você em meu coração, e ao meu lado – ele falou, voz tranquila, e Luccino sorriu trêmulo, assentindo e segurando firme a mão se Otávio.

- Você está certo... estou me deixando levar pelo pessimismo – ele admitiu para si mesmo, antes de se aproximar ainda mais. – Mas antes de irmos...

Se inclinando para frente, Luccino levou as mãos a face de Otávio e o puxou para perto, pressionando seus lábios em um beijo demorado, sentindo uma calma, uma paz tão característica enchê-lo até o topo. Otávio também relaxou, seus braços rondando a cintura de Luccino, enquanto suas bocas se moviam juntas, lentamente, como um último suspiro antes da enchente. O último raio de sol antes da tempestade. A última gota antes da seca.

Tudo ficaria bem.

Tudo ficaria bem.

Eles tinham que acreditar que tudo, tudo... ficaria bem.

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Eles voltaram para o hotel poucos minutos depois, de mãos dadas por todo o caminho depois de se trocarem. Como Luccino estava com frio, Otávio não hesitou em lhe dar sua camisa de botões enquanto permanecia com sua regata. Os dois observaram bem o caminho, para soltarem as mãos caso qualquer ser humano aparecesse, mas ninguém o fez naquela escuridão.

Ao chegarem na pousada, largaram as mãos e se aproximaram da mesa de Julia. Tudo estava normal, quieto, calmo. Eles estavam tensos.

- Julia, boa noite – Luccino falou, deixando Otávio um pouco quieto no caso de que algo desse errado. A moça somente o olhou. – Você saberia nos dizer aonde Mariana e Cecília, nossas amigas, estão?

- Senhora Cecília queria conversar com seu marido, mas não sei se conseguiu devido a senhora Mariana. As duas estão no quarto a muito tempo. Só saíram para jantar a... uma hora atrás – Julia explicou, e Luccino suspirou e assentiu, olhando para Otávio e se dirigindo para o quarto das Beneditos.

Os dois pararam em frente a porta e Otávio levantou sua mão, batendo de leve na madeira e esperando. Os dois continuaram olhando para a porta até que Mariana a abriu, colocando sua cabeça para fora e suspirando.

- Olá.

- Olá.

O silêncio pairou sobre eles e Mariana limpou a garganta antes de sair do quarto e fechar a porta.

- Certo – ela falou, olhando em volta antes de suspirar. – Ela está... processando tudo que eu falei.

- E o que você falou, exatamente? – Otávio perguntou, receoso, enquanto Luccino ficava mais próximo dele, um pouco para trás. Mariana respirou fundo.

- A verdade – ela falou, firme, e olhou para os dois, seu rosto sereno. – Que vocês dois se amam, que estão juntos, que tudo isso é normal e que ela não tem que achar nada nem opinar nem contar a ninguém. Mas... como devem estar pensando, não é muito fácil convencer.

- Você não tem que convencê-la a gostar de nós. Só dela não contar a ninguém – Luccino falou, um tanto nervoso, e Mariana franziu o cenho.

- Isso não vai ajudar em nada.

- Não precisa ajudar. Só não atrapalhar.

- Luccino, calma – Otávio o cortou, e olhou para Mariana. – fale com ela, mas frise que o mais importante é que ela não compartilhe essa informação com ninguém. Se ela contar para as pessoas erradas, pode ser muito pior do que simplesmente não nos ajudar. Está bem?

- Claro, claro... acho que isso eu já deixei claro – Mariana murmurou, e olhou para a porta. – Amanhã veremos como será. Mas por hoje, ela não quer vê-los.

- Está bem – Otávio concordou, enquanto Luccino virou o rosto, mantendo os olhos no chão. – Por favor, diga a ela que pense com carinho. Eu não gostaria de perder minha primeira amiga assim.

Mariana lhe deu um sorriso triste, e Otávio retribuiu com um próprio.

- Boa noite meninos – Mariana murmurou, antes de puxá-los para um abraço em grupo e dando um beijo em cada um deles, em suas bochechas. – Falo com vocês amanhã.

E depois, ela os soltou e entrou no quarto novamente.

Os dois se olharam e suspiraram antes de seguirem para seu quarto, lentamente, como quem não queria chegar nunca.

Abriram a porta, entraram no quarto e a trancaram, antes de se afastarem mais, com Otávio caminhando até a cama e se sentando enquanto Luccino andava até a porta da varanda e encarava a noite em silêncio.

Os dois ficaram quietos por um longo tempo, antes de se olharem sem qualquer programação, e sorrirem ao perceberem que se olharam ao mesmo tempo. Luccino se virou, se aproximando da cama, e Otávio se levantou, andando até ele. Eles se encontraram no meio do quarto e suas mãos foram como imãs para o corpo do outro, suas testas se tocando e olhos se fechando.

- Quer que eu cante dessa vez? – Luccino perguntou, e Otávio riu baixinho antes de assentir. Luccino então começou a murmurar uma valsa italiana e seus pés começaram a se mover em união, sem programação ou pensamento. Os dois simplesmente seguiram o ritmo bagunçado da canção do mecânico, e aos poucos, foram se soltando e relaxando, deixando suas preocupações se esvaírem pelo ar, para longe deles.

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Foi um desabafo? Talvez.


Felizes Para SempreOnde histórias criam vida. Descubra agora