Conversas ao luar

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- Otávio?

- Sim?

- Que horas são?

- Cedo... o galo nem cantou ainda.

- Eu não estou com sono.

- Quer conversar?

- Pode ser...

Otávio se arrumou um pouco na cama, acariciando os cabelos de Luccino, que ainda estava deitado sobre si, observando o teto escuro do quarto dos Pricellis. Ele esperou que Luccino iniciasse um assunto, e sorriu quando ouviu o suspiro relaxado do mecânico.

- Posso te fazer uma pergunta?

- Mais uma?

Luccino rolou os olhos, e Otávio sorriu, mesmo sem ver a reação dele.

- Claro que pode, Luccino. Não precisa perguntar se pode.

- É que... pode ser um pouco íntima – Luccino murmurou, suavemente, e Otávio franziu as sobrancelhas, curioso.

- Bom, se eu não quiser responder, eu te aviso – ele falou, honestamente, e Luccino acenou lentamente.

- É só que... você me conhece. Por inteiro. Conhece meu trabalho, meus clientes, meus amigos, minha família, e também conhece meus gostos, minhas paixões, meus sonhos... eu... eu queria saber um pouco mais sobre você – ele murmurou, levantando seus olhos, e a pouca luz da lua os iluminaram com uma curiosidade quase infantil. – Eu sei tudo que poderia saber sem perguntar... eu já sei ler suas entrelinhas e entender seus olhares, seus toques, sua respiração... mas eu não sei o que se passa em sua cabeça. Não sei... eu queria só... te conhecer por inteiro.

- Por mais belo que você tenha feito isso tudo soar, honestamente, eu não tenho muito pra te dar – Otávio falou, suave, olhando para Luccino e suspirando. – Eu não tenho uma... história, por assim dizer. Eu não tenho família, não tenho muitos amigos, muito menos sonhos. Eu só... vivo. À deriva do resto do mundo. Pelo menos, até acabar cruzando com você.

- Você diz não ter história por não ter tido família, mas até você me conhecer, até nós nos aproximarmos, você tinha sua vida. Não é possível que nada tenha se sobressaído em tantos anos de vida – Luccino retrucou, curioso.

Otávio suspirou, e olhou para o teto novamente, antes de acenar.

- Deve ter alguma coisa... deixe-me lembrar... – ele murmurou, fechando seus olhos, e Luccino o observou, uma de suas mãos acariciando o braço de Otávio enquanto ele pensava. – Bom, eu posso te resumir minha vida até o quartel, e depois te contar o que aconteceu lá dentro...

- Pode ser – ele sorriu, e Otávio acenou, começando a lembrar do início de sua vida.

Desde pequeno, Otávio sempre fora um menino calado. Se lembrava de alguns momentos de sua infância, momentos no orfanato, escondido de garotos mais velhos, brincando com alguns colegas de quarto, olhando para as fotos de seus pais, se perguntando quando voltariam para busca-lo.

Tudo o que ele sabia era que eles não estavam mortos. Ou pelo menos, era isso que a irmã Laura dizia, toda vez que ele perguntava. Ela dizia que eles tinham o deixado ali por serem pobres, e não conseguirem cuidar de um filho. Claro que poderia ser mentira, mas Otávio gostava dessa versão, pois lhe dava uma esperança de encontra-los uma vez que estivesse fora daquele lugar.

Mas enquanto não podia, crescia em silêncio. Ele tinha um ou dois amigos, mas preferia se manter sozinho, encontrando conforto nos livros que gostava tanto de ler. Ele aprendeu a ler muito rápido, tinha facilidade com as palavras, e se tornou um leitor ávido, devorando livro após livro em sua infância e adolescência enquanto os meninos brincavam de bola e as meninas se fantasiavam.

Felizes Para SempreOnde histórias criam vida. Descubra agora