O bom filho à casa torna

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A caminhada até a cachoeira foi mais demorada e mais silenciosa do que Luccino tinha planejado, mas a verdade é que sentia como se não pudesse fazer nenhum barulho.

Na verdade, sentia como se só pudesse andar e andar e andar sem fim e sem destino, embora existissem. Sua cabeça estava cheia e seu coração vazio, e ele não sentia nada a não ser uma dormência sem explicação. Várias perguntas enchiam suas ideias, perguntas retóricas, sarcásticas, e algumas bem condizentes. Ainda assim, nenhuma delas tinha resposta. Não suficiente para ele, pelo menos.

Tudo o que ele queria era voltar e contar tudo a todos. Que ele já tinha achado alguém, alguém muito, muito bom, que faria tudo por ele e que teria tudo que Luccino pudesse dar. Alguém que mantinha seu coração tão bem guardado que nenhuma bobagem o aconteceria, principalmente bobagens que o povo do Vale adorava se meter.

Um bando de enxeridos, era o que eles eram. Até mesmo os que queriam seu bem conseguiam ser insuportáveis as vezes.

Mas assim que pensou em seus amigos daquela maneira, seu coração apertou com culpa, e ele suspirou, diminuindo a velocidade de seus passos. Não, não era certo pensar assim. Eles eram seus amigos, sua família, e era difícil para eles também.

Tudo era muito difícil. Tudo. Sua mama nunca falaria a verdade para dona Ofélia, afinal, a patroa de sua mãe era mais conservadora que a mesma, conseguindo casar todas as filhas com os melhores partidos de todo o Vale.

Elisabeta, com o dono das ferrovias de São Paulo inteiro. Jane com o filho da mais rica dona do café. Cecília com um médico renomado, Mariana com o coronel da cidade, e Lídia com o agora capitão.

Talvez, Ofélia pensasse que uma de suas belas filhas teriam se apaixonado por Luccino, ou deveriam ter se apaixonado, considerando que ele passava vários dias com elas enquanto sua mãe trabalhava.

Ele lia com Cecília, cuidava de Lídia, aprendia penteados com Mariana, cozinhava com Elisabeta, brincava com Jane... Mas claro, que mesmo que Luccino não fosse como era, dona Ofélia estaria falando ou sugerindo isso tudo da boca para fora.

Nunca gostaria que suas filhas se casassem com o filho da empregada.

Ótimo. Luccino sentiu seu peito apertar com aquela mesma dúvida de meses atrás, quando Otávio tinha lhe oferecido fugir, ir embora para sempre.

Seria ele, Luccino, o filho mais novo de um casal pobre, um mecânico em uma cidade com dois carros e três motocicletas, digno de qualquer coisa? Porque de uma Benedito ele não seria, nem se quisesse. Então porque seria digno de alguém...

Alguém...

Não.

Luccino esfregou os olhos que se enchiam de lágrimas e continuou sua caminhada até a cachoeira. Ele era digno sim. Digno de um amor, digno de amar, digno de tudo. Assim como Mariana, Ernesto, e até mesmo Otávio já tinham dito.

Aquilo tudo era só uma crise idiota por conta de palavras mau ditas. Não ficaria ali para sempre. Ele só precisava de um momento sozinho, talvez um mergulho no lago, e tudo ficaria bem. Ele voltaria para casa renovado, e Otávio estaria lá, o esperando para irem até a oficina e passar a noite lá, conversando e trocando carinhos, como sempre faziam e para sempre fariam.

E, um dia, fariam tudo isso na casa de chá, na rua, no parque, em todos os lugares e em qualquer lugar.

Até esse dia chegar, porém... Luccino suspirou e puxou sua boina para cobrir seus olhos, como se tivesse alguém ali para olhá-lo e julgá-lo.

Foi um alivio quando viu o lago por entre as árvores, acelerando o passo para chegar logo e poder se aliviar daqueles pensamentos inoportunos.

Ele se aproximou do lago, suspirando, e se sentou em uma pedra ali por perto, tirando sua boina e soltando os cabelos, os desfazendo daquela forma adestrada que já tinham por conta do uso da boina. Depois, suspirou e pegou água com suas mãos, jogando-a no seu rosto e sobre sua nuca, sentindo um calafrio em sua espinha, e os pensamentos se esvaírem.

Felizes Para SempreOnde histórias criam vida. Descubra agora