Capitulo 26.1

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— Johanna Mitchel.

— Dublin/Irlanda.

Johanna Mitchel havia despertado de seu sono pela terceira vez naquela noite fria, típica da semana de festejos. Parecia coincidência que todos os anos nessa mesma data os dias fossem cobertos por neblina e as noites frias forçavam-na a trancar as portas e janelas para não passar o frio da imensa casa.

O choro da pequena princesa — que provisoriamente dormia em um berço próximo ao seu leito —, lhe chamou a atenção. Zelosa e sempre atenta, ela despertou com um pulo, mas o primeiro pensamento que teve, foi o de que poderia despertar Cecilia para ir ver o que a filha queria.

Mas, a dura realidade logo bateu. Ela sacolejou os vistosos cabelos alaranjados e tocou o travesseiro onde um dia a amada esteve aninhada aos seus braços. Sozinha, mas nunca triste, a garota tinha um coração duro que não se deixava abater por nada, era invencível.

Então, uma porção de toques em sua porta a direcionou, ela descansou os pés no chão.

— Entre, Beatrice.

E do corredor surgiu uma silhueta feminina de cabelos soltos e ondulados, ninguém menos que sua tão igualmente amada Beatrice. Ao vê-la, ela sorriu um pouco, estava trajada em uma camisola verde muito curta expondo um par de pernas brancas feridas e pés descalços.

Johanna se levantou com um pequeno suspiro e tomou Nadja em seus braços, ninou-a sobre seu ninho, sabia que pela hora e pela falta de sujeira na fralda, que sua pequena filha gulosa queria um pequeno lanchinho e ofertou-lhe seu seio.

— Bia... — ela diz quando a formosa garota se aproxima sorrateira, pousa sobre a ponta da cama tomando os finos cabelos da pequena entre seus dedos. — Está tudo bem?

— Sim, mas... estou sem sono. Tenho tido recorrentes insônias nos últimos dias.

— Eu te disse para não beber café antes de dormir, mas você nunca muda — Johanna torce o bico.

Ela tomou o rosto da filha entre as mãos, agora mais calma, de olhos fechados, vestida como uma joaninha, ela apenas apreciou sua face divina, associando-a a mãe, da qual sentia saudade, isso pois quase sempre era Cecilia quem conseguia acalma-la. Seu rosto lembrava o dela em todos os aspectos, desde as bochechas cheias até o queixo fino e o nariz curvado.

— É que não queria perder um minuto de estudos, sabe? Mas... não foi por isso que vim ao seu quarto.

— Então o que foi? Shh... shh...

— Não conversamos sobre o futuro ainda. Com meu retorno, eu pretendo recomeçar do zero, já retomei as aulas da faculdade depois de uma louca conversa com o reitor, mas ainda me falta algo que queria saber. Queria ouvir o que tem a dizer sobre nós, sobre como vamos ficar pois... conversamos bastante e... eu preciso saber: o que significou sua aceitação ao nosso jantar de mais cedo? Toda a conversa e sorrisos? Todos os momentos de lembrança que tivemos.

Johanna suspirou.

— Beatrice, eu... sofri muito depois que você se foi, tentei de toda forma espairecer o que sentia da forma que melhor sabia; extravasar. Mesmo que julgue inacreditável... a depressão atingiu todo o meu ser e eu decai dos céus ao inferno, virei uma mulher da vida, uma puta num prostibulo de luxo apenas para compensar a falta que sentia do sexo com você. Então, lentamente o que eu sentia mudou, deixou de existir. Eu não quero ser dura com você, mas... o seu, o nosso tempo passou. Saber que você estava viva, que me perdoou por tudo, serviu para eximir minha consciência de que um dia eu pudesse ter sido responsável por uma morte.

— Você ama Cecilia Winsloe?

— Você não ouviu nada do que eu disse, não é? — ela pôs um pequeno sorriso em seus lábios finos enquanto a garota de cabelos cacheados apenas a olhou de forma desafiadora. — Sim, eu amo Cecilia Winsloe mais que a minha própria vida. Nadja é o resultado desse amor.

— O quê? — ela a olha com estranheza — Eu... não entendo, Nadja é filha adotiva de vocês, não?

— Não — Johanna balança a cabeça, sabia que se tinha começado o assunto precisava leva-lo até o fim. — Ela é sangue do meu sangue e do de Cecilia... ela era um hermafrodita.

Beatrice ficou desconfortável na cama, acenou com as mãos num gesto bêbado e parou de piscar antes de tapar a boca com a surpresa.

— Nossa... isso é tão... estranho e surpreendente. Uma hermafrodita? Sério? E ela engravidou você?

— Sim, sangue do nosso sangue — ela aponta para a pequena Nadja que depois de alguns minutos desistiu do alimento da mãe e se virou, curiosa para explorar os arredores da cama. — Em fevereiro eu paguei por uma cirurgia experimental de alteração de sexo para ela em comemoração ao seu aniversário... então ela se tornou a mulher que tanto desejava.

— Oh.. — Beatrice parece abestalhada com tanta informação junta, coisa que nem em suas provas mais difíceis do setor de biológicas ela havia visto. — Estou chocada. Mas... eu não desejo o seu mal, Johanna — ela se ajoelhou sobre a cama, tão curiosa quanto Nadja e se pôs atrás das costas da garota de cabelos avermelhados lhe massageando o pescoço.

— O que deseja então?

— Desejo que volte a ser minha como antes. Eu errei, eu sei, o que fiz a você... forjando a minha morte, não merecia um perdão. Devo imaginar o quão difícil deve ter sido para você e até agora não estou acreditando no que ouvi... acerca de você ter se perdido por causa de mim. Mas... todos erramos, e eu esperava que no mínimo o nosso passado contasse de alguma forma. Você precisa me perdoar por ter agido como uma idiota durante todo nosso relacionamento.

— Eu já te perdoei, Beatrice. Entretanto...

Mas a garota destemida e eternamente apaixonada não esperou para ouvir o sim ou não de Johanna, apenas arriscou naquele beijo com um giro de cabeça em direção a antiga amada que não sabia ao certo como reagir, como aquele beijo trouxe tantas lembranças boas e ruins dos momentos que viveram antes mesmo que ela soubesse da existência de Cecilia.

Então ela recuou com um suspiro torcendo a cabeça no sentido oposto.

— Joh...

— V-vá para o seu quarto, Beatrice.

— Eu...

— Me obedeça — Johanna diz, única e rígida.

E a garota obedece de imediato, desfilando suas suntuosas curvas a meia luz que o abajur propiciava.

O que havia significado aquele beijo na vida de Johanna Mitchel? Talvez uma chama de esperança para algo que estava literalmente enterrado de baixo dos seus pés, ou uma nova e confusa passagem da sua vida elevada a saudade de Cecilia que não desaparecia?

Minha Indomável Paixão (Livro 3) - CONCLUIDOOnde histórias criam vida. Descubra agora