3 - Fotografia

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O meu cotovelo raspou em algo liso e frio. Uma ponta com um desenho colorido se insinuava no meio de tanta brancura. A fotografia! Tinha me esquecido dela. Voltei a pegar o objeto, puxando-o de seu esconderijo.

A moça e o rapaz da foto eram duas pessoas completamente estranhas para mim. Ele, o jovem com um cabelo levemente bagunçado, olhando o meu rosto como se eu fosse o seu mundo inteiro. Apenas um esboço de sorriso deformando os seus lábios. Ela — sim, ela, porque aquela pessoa ali não era eu. — com o cabelo preto ondulado solto e o maior sorriso do mundo, cravado e cheio de luz em um rosto que era ao mesmo tempo tão conhecido e tão estranho.

A garota da fotografia era o reflexo que eu encontrava quando me olhava no espelho, mas ainda assim, ela não era eu. Embora eu nunca tivesse me apaixonado, era óbvio, claro como a transparência da água, que dentro daquele retrato... eu o amava. Isso fez com que eu me sentisse estranha e desconfortável.

Um barulho me fez tirar os olhos da foto. Encontrei dois olhos muito verdes olhando com intensidade de volta para mim. A minha barriga gelou. Ele estava de pé, materializado do papel fotográfico para a vida real. O rapaz estranho havia acabado de fechar a porta, e me analisava, ponderando se deveria se aproximar ou não.

— Oi. — eu decidi começar.

— Oi. — nossa! Ele abriu um sorriso delicado e ao mesmo tempo um pouco triste. Ainda assim... minha nossa... um sorriso maravilhoso. — Aposto que a sua mãe costumava lhe dizer para não conversar com estranhos quando era mais nova, estou certo? — ele veio se aproximando devagarzinho.

— Com certeza. — respondi.

— Então está na hora de eu me apresentar. Senhorita — ele fez uma leve mesura e parou ao lado da cama. —, Gael Ávila, ao seu dispor.

Ávila. Gael Ávila. É um nome bonito. Esse nome rodou na minha língua como palavras desconhecidas que eram e um sabor estranho.

— Essa parte deveria vir primeiro, não? — impliquei.

— O que? — ele perguntou sem entender o raciocínio, com a testa levemente comprimida com a confusão.

— As apresentações. — eu tinha um meio riso de troça na boca. — As apresentações deveriam vir primeiro que os beijos. — eu tenho quase certeza que não estava sonhando. Tinha sido tudo tão rápido, que eu não tivera tempo de processar as informações e as sensações. Só me lembrava do ocorrido. Aquele estranho completo tinha me dado um beijo na boca há poucas horas atrás.

— Ah! — ele se lembrou da confusão onde tinha me agarrado e me beijado. O seu sorriso ficou maior. — Desculpe. Não resisti à sua beleza.

Os olhos dele eram muito intensos e eu tive que desviar os meus porque estava começando a sentir as bochechar esquentando. Ele era muito bonito. Muito!

O meu olhar recaiu outra vez sobre a fotografia em minhas mãos. O meu coração doeu quando percebi que provavelmente o dele estaria em pedaços. Percebi que existia outra verdade ali também: eu não queria ser a garota daquela foto. Eu não queria me apaixonar. O amor era complicado, era confuso, era doloroso. A Isabel e o Pedro eram um bom exemplo. Eu queria dançar. Esse era o meu mundo. A dança. O ballet. Não o romance.

Pigarreei antes de voltar a olhar para ele. O rapaz me observava com aquele pedaço de momento congelado no tempo dentro de um papel fotográfico, medindo minhas reações.

— Minha mãe disse que você deu isso pra mim. — exibi o papel. — Quando eu já estava em coma. — ele assentiu sem falar nada. — Você já sabe que esqueci tudo o que aconteceu esse ano e o ano passado? — perguntei.

Noite Sombria | 3Onde histórias criam vida. Descubra agora