Uma lembrança pode mudar tudo!
Após enfrentar a morte de frente, Alma Ferraz desperta de um sono profundo sem as memórias de um reino de fantasia. Durante a rotina do dia-a-dia, o ballet profissional deixa cada vez mais perto, John, um antigo amigo...
Entramos em um descampado. O clima era abafado, cheirando a mofo, lodo ou poeira, não sabia definir muito bem. A vegetação estava chegando à cintura. O mato áspero coçava onde roçava na pele.
A chuva começou. A água que caía era muito, muito gelada. Fininha, não passava de uma garoa. A temperatura baixou rapidamente e nossa respiração virou fumaça.
— Adoecer agora seria um grande inconveniente. — Vânia concordou.
— Vamos acender uma fogueira! — Ramon acrescentou, tremendo de frio.
— Vamos montar acampamento. — Natan avisou, mas o semblante dele me preocupou.
— Aqui não é um bom lugar, é? — perguntei à Elisa.
— É muito aberto. — ela respondeu. — Ficamos expostos.
— Se não é seguro não devemos ficar. — John falou. — Vamos continuar.
— E morrer de pneumonia?! Vamos acender uma fogueira. — Ramon reiterou.
— É só um pouco de chuva. Talvez devêssemos continuar até um local mais seguro. — Heitor sugeriu.
— Não tem nada à vista. — Selva apontou. — As montanhas ainda estão muito distantes.
— Então vamos ficar aqui como um alvo? — John rebateu.
— O grupo vai ficar junto. — Natan assumiu o controle. — Quem não concordar terá que aceitar. Estamos guiando isso aqui, então nós decidimos.
Os três caçadores se entreolharam antes de voltar a encarar as pessoas que eles lideravam. Gael olhou para mim, é claro, e eu gostaria muito de não estar batendo os dentes de frio.
— Vamos acender o fogo. — ele falou. — Precisamos nos secar.
O grupo não estava em sintonia, mas obedeceu. Montamos a cobertura para a fogueira e limpamos o terreno.
— Acho que pisei em alguma coisa. — Hector olhou para a sola dos próprios pés.
— O que é? — Elisa estava perto dele e perguntou.
— Parece algum tipo de ovo. — Hector esfregou aquilo entre os dedos. — Ou um inseto. É viscoso e grudento. — ele cheirou a substância. — É alcoólico.
— Ótimo! — Ramon falou. — Vai dar um fogo excelente.
— Não mexa muito nisso, Hector. — Vânia advertir o metalúrgico. — Não sabemos o que é.
Ele limpou a mão na vegetação. Pegou um punhado de mato e o besuntou no líquido escurecido antes de colocá-lo na fogueira. Selva estendeu a mão para o chumaço recém cortado. A vegetação secou, como palha, e o fogo nasceu, aquecendo o ar gelado. As minhas palmas abertas absorviam com prazer a temperatura alta das chamas alaranjadas.
— Só faltam os marshmallows. — John falou de bom humor.
— E histórias de terror. — Elisa brincou.
O berro agudo atrás de nós tinha frio o suficiente para congelar o mundo.
— Heitor! — Hector correu para o irmão.
A urgência tomou conta. Todos gritando e correndo na direção dos sons horripilantes misturados a tiros.
— Você não! — Gael me empurrou para alguém que me segurou com firmeza. — Cuida dela. — e desapareceu.
Os tiros provocavam clarões na noite. Estava uma balburdia e um frenesi. Gritos de gente e gritos animalescos. Vozes sobrepostas a gemidos, enlaçados e emaranhados. Eu tentei desesperadamente me soltar daquela gaiola.
— Para com isso! — John falava enquanto tentava me segurar.
— Precisamos ajudá-los! — gritei.
A coisa horrorosa saltou em cima de nós. Dentes! Uma fileira inteira deles! Eu nem tinha percebido que estava segurando a minha pistola até os tiros me despertarem do meu torpor. Aquilo guinchou e se retorceu, dando meia volta e fugindo.
O silêncio subitamente voltou.
Gael me analisou. Eu tremia e não era de frio. Tinha um corte raso no meu pescoço que deixava um pouco de sangue escorrer.
— O que é isso? — Natan olhava o corpo imóvel no chão.
Vi a criatura morta. A pele era pegajosa, como de um anfíbio. Membros superiores e inferiores alongados. Uma cauda cheia de vértebras proeminentes estendia-se da coluna. Era repulsivo e nojento. Uma aberração de laboratório que deu muito errado. E no entanto, o que era mais perturbador era a estranha semelhança com o ser humano. A cabeça parecia anormalmente inchada, mas ainda era uma silhueta humana.
— Temos que ir. — Elisa falou.
— Todo mundo em movimento! — Natan ordenou. — Movam-se!
Foi aí que eu vi Hector aos prantos. Mesmo sob as cores desbotadas daquele lugar, dava para ver que aquilo era sangue! Arfei de horror.
— Você não quer ver isso. — John se interpôs.
As pessoas estavam sendo arrebanhadas e guiadas para outra direção.
— Hector. — Natan se abaixou ao lado dele. — Temos que ir. Agora.
Os tiros recomeçaram.
Uma besta atacou Natan e ele puxou o metalúrgico ensanguentado. As bestas estavam saindo do mato e nos cercando. Eu estava bem no meio da confusão e nem sabia para onde olhar. Caos!
— Vai! — Ramon me empurrou, me obrigando a me mover.
Um guincho atrás dele me fez virar. Ele encolheu a cabeça por reflexo, a minha mão apontou para dentro da boca escancarada. Senti o estalo do gatilho e a coisa parou de nos perseguir. Com a visão periférica vi a asa de um gavião sendo abocanhada no ar. Gael.
Mudei drasticamente a minha direção e perdi o equilíbrio com o puxão.
— Ele sabe se virar sozinho! — Ramon me puxava pela roupa.
— Me solta! — me libertei com um solavanco e corri o mais rápido que pude.
Gael forçava a imensa boca para longe do seu rosto. A cauda da criatura estava enrolada em seu tronco num aperto de serpente. Comecei a atirar no bicho que se contorceu. A distração foi o suficiente para Gael recuperar o fuzil. Um tiro na cabeça e o bicho desmontou.
— Não era para você estar aqui! — ele me passou para trás de si.
Uma besta humanoide se esquivou com agilidade da saraivada de tiros e partiu para o ataque.
Dessa vez vamos mesmo morrer.
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