57 - Noite sombria

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— John! — comecei a me arrastar com dificuldade para perto dele.

O meu amigo estava branco, com os lábios roxos, tremendo, paralisado. Natan chegou por trás e tentou soltá-lo, mas foi atingido por um raio fulminante. O caçador foi arremessado num impulso assustador.

Fiquei paralisada de medo. Elisa correu até ele. Natan fumegava inconsciente no chão.

Mas o que está acontecendo aqui?! Nós temos tempo! Por que aquela coisa está acordando?! Preciso tirar o John dali!

— Não toque nele, Alma! — Elisa gritou.

— Solte-o sua coisa imunda! — berrei para a noite naquele leito.

— Não! — Ramon me puxou pela cintura. — Não pode tocar nele! Nós precisamos sair daqui, agora!

O chão estava rachando. O brilho da lava quente escarneceu por entre as frestas como sorrisos macabros.

— Está matando ele! Não podemos deixá-lo! — John já tinha murchado drasticamente, as roupas folgadas no corpo, o rosto antes jovem e cheio de vida, agora fundo e esquelético, sem vigor e sem vida.

— Não podemos fazer mais nada, Alma! — Ramon me arrastava para longe dali. — Não podemos fazer mais nada!

Toda a energia do meu amigo fora sugada para dentro daquela noite feroz. Ela se alimentou da força dele. John transformou-se numa névoa de poeira e cinzas levadas ao vento. As roupas dele caíram inertes e vazias no chão.

Elisa ajudou Natan a se erguer. O caçador tossiu e gemeu com o esforço. Lá atrás, bem no centro de tudo aquilo, a criatura se sentou.

— Precisamos sair daqui! — Ramon apressou o grupo. A noite levitou sobre o seu leito, pairando acima da rocha. — Agora! — um punhado de magma espirrou, se arrastando lentamente em nossa direção.

Ficamos presos e encurralados dentro do vulcão. A parede era muito alta para conseguirmos escalar. Natan não estava em condições de voar, eu mal conseguia ficar de pé sem me apoiar. As rachaduras do chão aumentavam, deixando cada vez mais lava quente livre.

— A noite despertou. — Ramon observou a criatura ainda levitando, imóvel. — Vamos todos morrer.

— Alma! — Elisa me segurou pelos braços. — Precisa mandá-lo para o espectro vazio!

— O que? — eu não posso sozinha! — Não tenho poder suficiente! Preciso me apoiar na magia do John... ele...

— Você consegue! — ela declarou. — É a nossa última chance!

— Não consigo! Não consigo! — eu repetia apavorada.

Elisa estava me pedindo o impossível. Em primeiro lugar, a criatura deveria estar adormecida, em segundo, eu não tinha poder suficiente. É por isso que John tinha sido arrastado até ali. Ele morreu porque eu não conseguiria fazer aquilo sozinha. E agora estava tudo perdido.

De repente, o vento ganhou vida e tenacidade. Como nascido de um casulo, feito uma borboleta, a criatura começou a desabrochar. A luz da estrela na ponta de um cajado foi o que mais prendeu a minha atenção.

Não pode ser. Desfaleci. Não pode ser ele.

Com um gesto de mão, os trapos do casulo se desvaneceram, tornando-se nada.

— Como? — o aprendiz sussurrou, chocado.

Zainder.

Não pode ser. Como estava vivo? Como sobreviveu à explosão? Como chegou aqui? Zain. Ele era a noite sombria.

— Obrigado por terem me libertado. — encarou o grupo com um sorriso.

— O que está acontecendo aqui?! — Elisa gritou furiosa. — Como você pode estar vivo?!

— Ora, a ruiva majestosa era mesmo um espécime peculiar. — falou pensativo, lembrando-se de Selva. — Muito interessante. Eu poderia tê-la tornado grandiosa. — falou com pesar. — Uma pena ter sido tão rebelde. Foi inevitável o sacrifício. Assim como o vosso.

— Por que toda essa encenação? — perguntei. — Por que não nos destruiu quando teve a chance?

— Porque eu precisava trazê-los até aqui. — respondeu. — Este é o local de abertura. Só aqui poderia ser feita a transferência de energia.

— Poderíamos ter morrido tentando chegar aqui. — eu não conseguia entender. Primeiro se mostrou nosso aliado, depois nos atacou e agora dizia que nos queria bem ali.

— Se eu os quisesse realmente mortos, agora não teriam mais a capacidade da fala. — afirmou. — Eu só quis... me divertir um pouquinho antes. Destruir um mundo pode ser algo completamente enfadonho e tedioso, então, já que estavam aqui, por que não aproveitar antes de o trabalho duro começar? Eu me diverti muito, admito!

— Pessoas morreram! — gritei.

— Peões de um tabuleiro de xadrez. Todos já sabem o que vai acontecer antes mesmo de o jogo começar. Foram feitos com esse propósito.

— A vida de ninguém vale tão pouco. — rebati com um ódio profundo. — Você vai pagar por isso um dia. Todo mundo acaba pagando. 

— É um ponto de vista diferente. Veja bem. Eu já acho que cada um deve assumir o papel que tem no mundo. Vocês por exemplo, cumpriram os seus com excelência. Trouxeram-me a peça que faltava, a magia guardiã. — ele olhou nos meus olhos. — A do seu amigo não era muito poderosa, mas é suficiente. Posso multiplicá-la e transformá-la como quiser dentro de mim. Mal pude acreditar na minha sorte. Achei que já estivessem extintos. Eu teria de me contentar com a estrela deste mundo apenas, mas agora — fechou os olhos e inspirou profundamente — posso ir aonde quiser. Obrigado por isso.

Não creio no que ouço. Nós o ajudamos. Nós o libertamos. Agora Zain poderia ir para qualquer dimensão que quisesse. Ele iria destruir a magia do universo inteiro. Nós o fizemos um buraco negro infinito.

A placa flutuante onde estávamos começou a oscilar e nós ficamos ilhados sobre a lava. O calor era insuportável. O suor evaporava antes mesmo de escorrer.

— Apreciem seus últimos minutos de vida. — Zain acrescentou com sarcasmo.

Em breve aquele pedaço de rocha iria derreter. Não tínhamos para onde ir.

O cajado foi virado de ponta cabeça e a estrela de luz emitiu um raio. A chave que abre a porta. O leito dele se tornou tempestade. Negra e poderosa. O vento açoitando tudo. Um redemoinho formou-se com nuvens, relâmpagos e raios.

Zainder submergiu no olho da tempestade e desapareceu.

Zainder submergiu no olho da tempestade e desapareceu

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O eremita... alguns desconfiavam dele com toda razão. Ele não presta!

Não esquece a estrelinha, bjos.

Noite Sombria | 3Onde histórias criam vida. Descubra agora