Eu não estava entendendo nada do que estava acontecendo ao meu redor. O excesso de branco daquele lugar pálido, o cheiro tipicamente estéril do hospital, o frio na pele do ar gelado que soprava do aparelho de ar condicionado, o olhar aflito dos meus pais pousado sobre mim, a confusão instalada na minha mente perdida. Comecei a sentir medo. O que estava acontecendo de errado ali?O estranho que tinha acabado de deixar o quarto do hospital seguia pelo corredor, completamente absorto. Minha mãe tinha tentado falar com ele, o jovem simplesmente não ouvira.
Parada, de pé, imóvel onde eu estava, não pude deixar de segui-lo com o olhar através do vidro da janela enquanto ele se afastava. Ninguém nunca tinha me olhado tão fixamente antes e com tamanha intensidade. Não tinha dado para não notar que ele carregava na face olhos cor de esmeraldas profundas. O estranho escrutinara os meus olhos sem nenhum pudor e encontrara ali uma resposta que não esperava. O sentimento foi tão limpo e tão claro que compreendi na mesma hora o que ele sentiu. O olhar dele refletiu o meu: sem direção. Eu me sentia perdida.
Quem era ele? O estranho que acabara de abandonar o recinto e deixara para trás um silêncio ainda não interrompido. Por que eu não sabia o que estava acontecendo comigo? Eu não sabia quem era aquele rapaz, mas ao que tudo indicava, eu deveria conhecê-lo. E se isso era verdade, então por que eu não sabia quem ele era? O que está acontecendo aqui? Quem é esse estranho?
Com a mente trabalhando velozmente, tecendo uma rede emaranhada de perguntas sem respostas, consegui de alguma forma encontrar algum ponto de partida. Minha garganta seca de apreensão conseguiu formular um som e voltei à capacidade de falar. O equilíbrio estático do silêncio se quebrou e o quarto voltou a ganhar movimento.
— Ele é o Gael. Certo? — perguntei me aproximando dos meus pais ao lado do leito vazio. Eles tinham mencionado esse nome, chocados por eu não o reconhecer. — E quem é ele? — a ansiedade disparava o meu coração, me deixando nervosa e agitada.
— Alma. — minha mãe falou com suavidade, estendendo um braço e tocando gentilmente o meu rosto com olhos assustados. Os fios de cabelo preto foram afastados da minha testa, indo parar atrás da orelha esquerda. — Ele é o seu namorado.
Dei um passo para trás e esbarrei sem querer no suporte acoplado à cama que servia como uma mesinha de refeições. O metal do pedestal rangeu ao se chocar contra a estrutura de tubos metálicos que sustentavam o colchão. A resposta da minha mãe doeu, assim como o choque repentino que recebei.
Essa era a última resposta que eu estava preparada para ouvir! Meu namorado?! Essas pessoas ficaram loucas? Meu pai perguntou alguma coisa e as enfermeiras balbuciaram uma resposta que eu não compreendi. Meu cérebro estava aturdido demais. Meu namorado?! Meu?! Não, não, não, não. Tem alguma confusão aqui. Isso não é verdade. Aquela pessoa não pode ser o meu namorado, eu saberia disso se fosse verdade.
— Eu não tenho namorado! — consegui expressar, não sei bem em particular para quem, talvez apenas para assegurar isso a mim mesma.
Nada de homens! Eles são complicados e dão muito trabalho! Além de serem eternamente imaturos e mimados! Eles nunca crescem! Eu não tenho namorado! Não tenho! Eu nunca quis um! Meu namorado?! Eu não me lembro do meu próprio namorado? Como assim?! É isso o que estão tentando me dizer?
Perguntas caíram em cima de mim nesse exato momento sem nenhuma compaixão ou misericórdia. Palavras sobrepostas, sem vírgulas nem pontos finais, sem pausas. Frases ditas umas por cima das outras. Os meus pais fazendo perguntas sem parar, as enfermeiras falando com eles ao mesmo tempo. Eu nem conseguia prestar atenção à uma pergunta e já outra tinha começado.
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Noite Sombria | 3
RomanceUma lembrança pode mudar tudo! Após enfrentar a morte de frente, Alma Ferraz desperta de um sono profundo sem as memórias de um reino de fantasia. Durante a rotina do dia-a-dia, o ballet profissional deixa cada vez mais perto, John, um antigo amigo...