— O que?! — saiu alto e estridente. Eu não conseguia acreditar no que ouvia. — Mãe? — procurei confirmação nos olhos de quem eu confiava para me assegurar de que aquele absurdo não era real. — Estou em coma desde o ano passado?!— Não. A sua entrada no hospital foi no dia onze de junho deste ano. O coma se deu quatro dias depois, no dia quinze. — eu ia fazendo as contas enquanto o médico explicava. A matemática não estava batendo e a culpa, com certeza, não era dela! — O março do qual se lembra... é o do ano passado.
Posso desmaiar agora? Gente, eu não bebo porque não gosto de não saber o que fiz no dia anterior! Sou uma pessoa controladora, abrir mão do controle para mim é... não, não é, simplesmente! Não é! Eu não abro mão disso. Nunca! Nunca fiquei de ressaca na vida e também não pretendo ficar algum dia. Acordar no dia seguinte de porre sem saber o que eu fiz... é uma cena assustadora para mim. Por isso eu não bebo. Porque eu não consigo abrir mão do controle. E agora vem essa pessoa e fala na minha cara que eu não sei o que estive fazendo no último um ano e meio?! Vou surtar, juro.
— Ano... p-passado? — incredulidade e estarrecimento eram pouco para mim. — Perdi mais de um ano? Não porque eu estava inconsciente, mas... simplesmente porque não me lembro. — alguém pode me dizer de qual cachaça foi que eu bebi? Porque dessa eu juro que nunca mais passo nem perto! Um ano e meio?!
— Alma, querida. — a minha mãe se aproximou e segurou a minha mão. — Você vai fazer dezoito anos daqui a três meses. — ela acariciou a pele do meu braço. Esse gesto não era o suficiente para me confortar.
Isso está acontecendo de verdade? Talvez eu esteja sonhando. Talvez eu devesse me beliscar para acordar. Isso tudo era um grande e completo absurdo!
— Fique tranquila, o seu cérebro não tem nenhum tipo de lesão. — o Dr. Tavares explicou e tentou me acalmar. — Então também não deveria ter nenhum tipo de sequela. Vamos esperar que este seja mais um de seus quadros transitórios, senhorita. E torcer para que essa falta de memória vá embora tão misteriosamente quanto chegou.
— Então ela pode nunca mais recuperar essas lembranças? — o meu pai perguntou, falando pela primeira vez.
— Exatamente. Ela chegou a ficar um bom tempo sem oxigênio no cérebro, isso pode ter causado a amnésia, é difícil afirmar com clareza. Tudo nela é uma verdadeira incógnita, não conseguimos sequer entender, quanto mais ter certeza de nada. Felizmente ela não apresenta nenhuma dificuldade em fixar novas memórias, então o esperado é que a vida siga normalmente a partir daqui, mas as coisas que ela esqueceu... pode ser um quadro que regrida com o tempo, ou não. Só o tempo dirá.
Eu tenho quase dezoito anos... Estou chocada! Atordoada! Me sinto como se tivesse feito dezesseis há pouco mais de um mês, em janeiro. Estamos em outubro e não no meio de março. Só que do outro ano! Uma risada histérica ameaçou me sair rasgada pela boca. O meu corpo tremia ligeiramente.
Meus pais haviam me dito que eu chegara a ser declarada como morta. — um arrepio me subiu pela espinha só com o pensamento. — Não, não, não. Não quero pensar nisso. Disseram que eu voltara a ter pulso miraculosamente. O garoto estranho estava lá, bem no meio da confusão.
— Você é um milagre! — o médico me disse sorrindo. — Não deixe que a tristeza lhe atinja só porque não se lembra de um punhado de coisas. Você é jovem, muito jovem, tem muito tempo ainda para construir uma história. Uma vida inteira!
— Certo. — esbocei um sorriso também. Eu estou bem e viva!I sso é muita coisa, e muito mais importante do que todo o resto.
Os meus exames precisaram ser repetidos, apenas para confirmação de que eu poderia ir para casa. Os meus pais estavam lá embaixo enquanto aguardávamos a liberação dos resultados. Em minhas mãos, foi deixada uma fotografia, que segundo minha mãe, fizera morada sob o meu travesseiro nos últimos meses. Mal tive tempo de olhar para ela. O sorriso radiante da moça entrando pela porta do meu quarto com uma empolgação contagiante me fez esquecer de tudo.
Voltei a enfiar a fotografia de qualquer jeito embaixo do travesseiro, ela já estava mesmo acostumada a ficar lá. Abri os braços e a minha irmã emprestada me abraçou com tanta força, chorando de felicidade, que eu achei que ela fosse me asfixiar.
Ah, como eu amo a Isabel! Nós demos tantas risadas juntas que a minha barriga começou a doer. Adorei que ela estivesse usando um vestido florido com todas as cores do universo! Aposto que todo aquele branco ficou morrendo de inveja! Mas infelizmente, ela não pôde ficar muito tempo.
Eu ainda estava digerindo algumas novidades que ela me trouxera quando ouvi a voz dele ecoar pelo ambiente.
— Por favor, diga que não estou sonhando. — ele estava parado à porta, olhando para mim como se eu fosse a coisa mais bonita que ele já tinha visto na vida.
— John! — dei um pulo de empolgação. O meu amigo me deu um abraço caloroso e apertado que retribuí na mesma intensidade.
— Ainda não consigo acreditar que quase te perdi. — uma preocupação sincera traspassou o seu olhar quando me soltou.
— Estou de volta agora. — dei de ombros estranhamente me sentindo relaxada. Acho que a presença dele me acalmava. — Não vai se livrar de mim tão fácil.
— Amém! — a risada era cheia de alegria e eletricidade. — Trouxe isso aqui para você. — ele me entregou o presente ainda sorrindo e eu peguei o vaso de flores.
— Obrigada, John. São lindas! — eu tinha um pouco de dó de cortar as flores porque elas murchavam e morriam muito rápido, mas aquelas ali estavam plantadas na terra, então ele acertou em cheio. — Que flor é essa? Eu já a vi antes, mas não me lembro do nome.
O vaso com quatro belas flores amarelas repousou no meu colo.
— São narcisos. — John respondeu. — Escolhi essas em especial devido ao seu significado. Essas flores simbolizam o respeito e o cavalheirismo. — ele pigarreou rindo. — Por acaso, eu! Olha que coincidência! E também representam renascimento e novos começos. Nesse caso, você. Uma flor que simbolize nós dois ao mesmo tempo. — o meu amigo deu de ombros. — Não tinha como ser mais perfeito do que isso.
— Que legal, eu não sabia. — sempre atencioso. John não entrou na floricultura e escolheu só um vaso que achou bonito, ele pensou em como isso se conectava com a situação. — Adorei! Obrigada.
— E como alguns supersticiosos dizem que um narciso apenas traz infortúnio, por que arriscar, não é mesmo? Trouxe logo um vaso inteiro porque um buquê é sinônimo de alegria e felicidade, que é tudo o que eu mais desejo para você nessa vida. E chega de pregar sustos na gente, mocinha! — os olhos doces não conseguiam brigar de verdade comigo.
John era um amor. Meu parceiro de dança. Ele sempre foi muito amável e gentil comigo. Eu gostava muito daquele rapaz, ele era um bom amigo.
Depois que ele foi embora eu fiquei sozinha. Acomodei com cuidado o vasinho de flores no móvel ao lado da minha cama. Lindas! Toquei suavemente os babados na borda das pétalas. De agora em diante, sempre vou pensar nele quando olhar a beleza amarela de um delicado narciso.
Como é que se fala, Gael?
— Mequetrefe miserável!
Prometo que não esqueço mais kkkkkkkk
Bjos! E se gostou não esquece da estrelinha :)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Noite Sombria | 3
RomansaUma lembrança pode mudar tudo! Após enfrentar a morte de frente, Alma Ferraz desperta de um sono profundo sem as memórias de um reino de fantasia. Durante a rotina do dia-a-dia, o ballet profissional deixa cada vez mais perto, John, um antigo amigo...