46 - Sono

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— Temos tempo de sobra para chegar ao topo da montanha? — Ramon perguntou.

Quando acordarmos o eremita tinha nos abandonado no avião. O buraco na perna do Gael tinha se fechado e ele não sentia dor.

— Temos alguns dias de vantagem. — Elisa respondeu.

— Então vamos esperar. Pode ser que o Sr. Zain volte. — o aprendiz sugeriu. — Eu adoraria ter a companhia daquele cajado conosco fora daqui.

— Ai. — Hector gemeu em sua poltrona. — Acho que não escolhi bem aqueles enlatados ontem.

— Vou preparar um chá. — Vânia esfregou as mãos e folhagens pequenas apareceram. 

Selva conseguia manipular a energia da matéria. Ela pegou um enlatado em uma mão e o cantil com as ervas da botânica em outra. A conserva desapareceu e a água ferveu.

— Cuidado, está bem quente. — entregou o chá pronto.

Ouvimos barulhos fora do avião. Os ânimos ficaram em suspensão. O eremita apontou e nós relaxamos.

— Fui pegar mais enlatados. Encontrei geleia de morango, a minha preferida! — ele olhou para Hector. — O que aconteceu com ele? Está meio verde.

— Acho que comi alguma coisa estragada. — o rapaz respondeu.

— Ah. Deve ter sido aquela pasta de atum, com certeza. — Sr. Zain o olhou com pesar.

— Cada um pegue o que for levar. — Natan já estava de pé. — Vamos sair desse abismo o mais rápido que der.

Já que a planície era o ninho dos ignánimos, decidimos pegar um caminho diferente, um pouco mais longo, mas menos povoado. A sensação de exposição era imensa fora do avião, mesmo tendo o cajado de luz conosco.

O terreno começou a ficar mais rochoso e irregular. Hector continuava gemendo do estômago à minha frente, então vi que ele iria desmaiar e cair com tudo no chão.

— Hector! — tentei segurá-lo, mas ele era muito pesado para mim e nós dois fomos ao chão. Ele estava todo suado e tremia da cabeça aos pés.

— O que está sentindo? — Vânia ficou preocupada. Depois do remédio que ela lhe dera, não era para ele continuar doente.

— Não... consigo respirar...

John e Selva o colocaram sentado. Ele se contorceu violentamente e vomitou na ruiva.

— Não podia ter esperado eu sair?! — a raposa brigou com o doente. — Que nojo!

— Desculpe. — a respiração começava a voltar ao normal.

— Mas o que foi que você comeu afinal?! — ela limpava a própria roupa, ainda agachada de frente para ele.

Os dois estavam cobertos por uma gosma grudenta. Não parecia vômito. Selva não estava mais ligando para o nojo, isso me deixou apavorada. Algo muito pior estava ocupando a mente da ruiva para que ela não ligasse de revirar o conteúdo estomacal daquele jeito.

— Isso é um ovo?! — Vânia perguntou.

Selva pressionou a esfera e ela se rompeu. Tinha fragmentos de casca e bolinhas espalhados naquela meleca.

Hector estava visivelmente melhor. Ele cheirou a substância entre os dedos.

— É o mesmo cheiro da campina. Alcoólico.

— São os ovos deles. — Sr. Zain falou por cima do grupo. — Eu já vi.

— Ovos daquelas coisas. — o doente engoliu em seco. — Como foram parar dentro de mim?

Isso fez todo mundo gelar. Como foi que aqueles ovos foram parar no estômago do Hector?

— Como está se sentindo? — o eremita perguntou com evidente curiosidade.

— Bem. — respondeu depois de pensar um pouco.

— Excelente! Então vamos seguir em frente. — Sr. Zain sorriu. — O importante é que já pôs pra fora.

Selva e Hector trocaram olhares. Os dois começaram a se levantar.

— Mestra...    

— Não toque em mim! — Selva recuou com arrogância, quando Ramon ofereceu ajuda, mas aceitou a mão de Hector. — Precisamos nos limpar. — declarou olhando o metalúrgico. — Não toque em ninguém enquanto isso.

— O riacho fica logo depois da encosta. — o eremita avisou.

Fiquei repetindo que o embrulho no meu estômago não tinha nada a ver com ovos e sim com ansiedade. Os dois imundos se lavaram e seguimos a correnteza até o lago.

O bem estar fora passageiro, Hector não estava nada bem. Começamos a ficar preocupados de verdade com ele. O rapaz teve alguns surtos de dor, agarrando fortemente a cabeça e arrancando grandes tufos de cabelo. Os olhos estavam vermelhos.

— Agora é só margear o lago. — Sr. Zain indicou.

— Vai demorar muito. — Elisa descartou. — Vamos economizar muito tempo cruzando a água em linha reta.

— Mas não temos um barco. — o eremita rebateu.

— Podemos atravessar a pé. — avisei. Só ele precisaria ser carregado porque não era um natural.

— Você sabe o que se esconde dentro dessas águas?

— Não. — não tinha pensado nisso.

— Nem eu. E não quero arriscar. Vamos por terra mesmo.

— O nosso tempo vai começar a ficar apertado. — Elisa pontuou.

— Então vamos apressar o passo. — Gael respondeu.

— Hector está exausto. — Ramon avisou. — Adormeceu ali no canto.

O metalúrgico mal tinha encostado no tronco da árvore e acabara adormecendo.

— O que está acontecendo com ele? — perguntei, o coração apertado no peito.

— Não sei. — nossa botânica respondeu com uma cara triste. — Não posso tratá-lo se não souber o que ele tem.

— Hector. — Natan foi acordá-lo, tomando o cuidado de não ficar na frente, caso o rapaz vomitasse de novo. — Precisamos ir. — o sono tranquilo destoava de sua aparência acordado. — Hector. — ele acordou. — Precisamos ir.

Uma convulsão fez o corpo inteiro chacoalhar furiosamente. A respiração disparada. Hector inspirou profundamente... e relaxou.

A caminhada recomeçou, mas ele estava ficando para trás. Não podíamos parar para ele descansar e também não podíamos seguir na lentidão dele. Amarramos peças de roupas e fizemos uma rede para carregá-lo. O rapaz exaurido e doente se acomodou com evidente dificuldade e dormiu tranquilamente nas próximas horas.

As minhas pernas já estavam queimando como fogo. A água morna do cantil tinha gosto de sede. Eu daria tudo por um copo gelado de água fresca.

O uivo inumano começou do nada, pegando todo mundo de surpresa.

Chega por hoje? Quem mais estará doente?

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Chega por hoje? Quem mais estará doente?

Um bjo enorme, ótima semana e nos vemos na próxima!

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