56 - Vulcão

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Enquanto uma mão tapava a minha boca para abafar os barulhos que eu fazia com soluços em pânico, os meus olhos embaçados escorriam rios desenfreados.

Vi-o expondo-se para as criaturas de rocha e lava, fazendo barulho e movimentos exagerados, batendo as asas no ar, conduzindo-as para longe de nós, para perto de si mesmo. Sozinho, perseguido encosta abaixo.

Como podem me pedir para salvar o mundo se eu não terei um para o qual voltar?

— Precisamos ir, Alma. — alguém falou.

— Ele vai ficar bem. — Elisa limpou o meu rosto, mas vi os olhos dela vermelhos também. — Ele é o Gael. Precisa mais do que monstros de lava para derrubá-lo, todo mundo sabe disso.

— Elisa — a dor estava me matando — ele não vai voltar!

— É claro que ele vai voltar. Você está aqui. Ele sempre vai voltar para onde você estiver. — ela sorria mas a lágrima solitária que lhe escorreu pela face me quebrou inteira.

Ela também não acreditava no que estava saindo da própria boca. Gael não vai voltar.

— Precisamos seguir. — Ramon exigiu, firme e com urgência. — Não vamos esperar até que mais lava apareça.

— Vem, Alma. — John me ajudou a levantar, sustentando parte do meu peso. — Nós precisamos de você. — ouvir isso me tirou do meu torpor. — Todos nós dependemos de você.

Ele tinha razão. Eu não podia desabar ali. Muitas vidas se perderam, mas muitas outras ainda se perderiam. Me agarrei a isso para não surtar completamente, depois que tudo acabasse eu desmoronaria sem remorso.

No topo da montanha, uma cratera se escancarou para nós. Estávamos na entrada de um vulcão, que infelizmente, não estava muito adormecido. Lava viscosa e fumegante formava poça lamacenta de rocha incandescente. Bolhas explodiam e espirravam com chiados de vapor. Ao centro, uma mancha escura adormecida, repousava tranquilamente sobre o único pedaço de rocha sólida, escura e negra.

— Levem os guardiões. — Ramon esperou na borda da cratera.

Era agora. Eu ia conseguir. Flutuamos no ar. Uma bolha de lava estourou, Elisa me puxou com força. Senti o calor arder na pele onde o respingo quase me tocou. O mar de lava estava se agitando.

John foi ágil o suficiente para se encolher e não ser queimado.

O caminho era curto, mas simplesmente não conseguíamos avançar. Quanto mais perto da criatura, mais bolhas estouravam. Não importava a que distância estávamos do leito, precisávamos ziguezaguear no ar como se estivéssemos em um campo minado.

Estávamos quase lá. Só faltava mais um pouco. O coração disparado na garganta deixava um gosto amargo na boca. Eu posso fazer isso. Eu consigo. Finalmente...

— Aaaaaaaaai! — o uivo de dor me rasgou. Achei que fosse desmaiar com o ardor.

Elisa e Natan nos levaram de volta à borda da cratera.

— Não dá para chegar. — Natan avisou. — A lava tem vida própria.

O fogo da minha calça já tinha sido apagado, mas a dor continuava insuportável. Elisa me deitou no chão. Ramon tocou a carne queimada e o calor começou a diminuir. Uma fina camada de gelo cobriu a minha queimadura e aliviava a sensação de ardência.

— A lava está protegendo a noite, assim como as rochas da encosta. — Elisa observou.

Ramon olhou o vulcão. Um poço de inferno líquido.

— Então vamos precisar acalmá-la. — o aprendiz falou.

Ramon se levantou, puxou o capuz branco sobre a cabeça. Um presente poderoso deixado de herança pela filha da lua. Ele se ajoelhou com as duas palmas espalmadas contra o chão. O manto de pelo branco em contraste com a rocha escura. Um tremor homogêneo se espalhou. A rocha incandescente e derretida lá em baixo começou a arrefecer. A lava endureceu, bloco sobre bloco, tornando-se um material denso. Um piso liso e uniforme nasceu.

O corpo do aprendiz tombou para frente sem forças. A pelagem branca assumiu uma forma diferente, viva. O animal pequeno ofegava, esgotado. Elisa apanhou a raposa no colo. Os olhos cansados pousaram em mim.

— Não vai durar muito. — Ramon avisou. — Precisam se apressar.

Nós descemos até o solo. Ainda dava para sentir o calor. A mudança estava meramente na superfície, logo abaixo o magma ainda cantava e escorria, procurando uma brecha por onde escapar de sua gaiola.

— Precisam se afastar. — avisei, aceitando a ajuda de John para me manter de pé. A queimadura ardia vorazmente na minha coxa, mas nem de perto alcançava a dor do meu coração. — Se ficarem muito perto podem ser sugados também.

— Alma. — Elisa me chamou. — Boa sorte. — ela me deu um abraço apertado.

— Obrigada. — faria o meu melhor.

Me apoiando em John, alcançamos o leito da criatura que ficava um metro acima do chão negro. Como vou conseguir fazer isso sem me perder completamente? Olhei para trás. Uma bolinha branca encolhida num colo e apenas dois caçadores.

O coração derreteu outra vez e escorreu, queimando tudo em que tocava. Acho que eu estava respirando lava. Queimaduras faziam bolhas na minha alma. Onde é que você está? Eu preciso de você. Por favor. Eu preciso de você.

Me virei para o leito ou um túmulo, não sabia o que aquilo era. Então essa era a noite, a criatura que queria engolir o sol. Não era grande. Sem movimento algum, não dava para saber se estava vivo ou morto. Uma silhueta esguia, completamente envolta por um tecido gasto e velho. Quase uma múmia. Uma pessoa adulta. Acho que eu esperava algo mais bestial, mais criatura. Maior.

— John! O que está fazendo?

— Quero ver o que é. — ele deu a volta, rondando e observando aquela coisa.

— Não mexa nisso! — falei com desespero.

— É inofensivo. — a mão parou a centímetros do tecido. — Ainda falta um dia para a lua cheia. Isso aqui só vai acordar amanhã.

Queria que ele viesse logo para perto de mim para que pudéssemos acabar de uma vez com tudo. Eu precisava da energia dele para impulsionar a minha. Mas precisava me acalmar, desacelerar as batidas no meu peito. Precisava me concentrar.

— Está tudo bem aí? — Elisa gritou lá do fundo. Ela e Natan expressam preocupação.

Talvez fosse por causa da demora, ou porque John estava fuçando onde não devia.

— John só está... — e o grito me fez calar.

Me encolhi com o horror. Um braço saído da múmia segurava John pelo peito.

Bom dia amores!

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Bom dia amores!

Capítulos finais! Estamos quase acabando!

Não esquece a estrelinha, bjos.

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