53 - Sangue e fogo

311 65 67
                                    



— Para a aeronave. — a raposa ordenou.

Bem ali perto tinha a carcaça de um avião pequeno camuflado sob trepadeiras.

— O que está fazendo? — John perguntou.

A filha da lua nada respondeu, mas continuou a nos arrebanhar. Com um estender de mão, a vegetação sobre a aeronave secou até virar pó. Lá dentro, Natan exigiu respostas. Selva não entrou.

— Vai explicar o que está acontecendo aqui ou não?

— Não. — foi a resposta dela. — Quem vai pilotar?

— Pilotar?! — Elisa ficou chocada. — Está tudo em pedaços! Qual é o seu problema?

Selva tocou a estrutura metálica, a energia subiu da terra pelo cajado. As luzes no painel ligaram. Esse barulho é de um motor funcionando?!

— Agora não está mais. — simples e objetiva. — Quem vai pilotar?

— Não sabemos pilotar um avião. — Gael respondeu.

— Estão de brincadeira?! — ela ficou brava. — Vocês são pássaros. Não me digam que não sabem voar! Se virem. Guardiã! — ela me chamou. — Faça o que veio aqui fazer.

Tendo dito tudo o que interessava, nos deu as costas.

— Mestra! — Ramon agarrou o braço dela. — Não pode ficar com aquelas coisas!

— Ramon. — foi a primeira vez que vi doçura nela. — Há quantos anos tem sido o meu aprendiz?

— Há mais de uma década.

— Então já era para ter entendido que ninguém nunca vai me dizer o que eu posso ou não fazer. Eu nunca sigo ordens!

— Mas... mas...

Selva desabotoou o manto branco e o passou em volta do rapaz.

— É seu agora.

— Não.

— O manto carrega o conhecimento das estrelas. Use-o. Não se subestime. Tem mais poder dentro de você do que imagina.

— Eu sou o seu servo, você é a minha mestra. Se alguém precisa ficar, então serei eu. — falou desesperado.

Ela fechou a porta pelo lado de fora, separando-nos definitivamente enquanto meneava a cabeça com um pequeno sorriso, negando a oferta do aprendiz.

— Você foi o melhor aluno que eu poderia ter tido.

Selva deu as costas, voltando para o eremita.

— Você não vai com ela! — Elisa segurou Ramon que queria a qualquer custo abrir a porta e descer atrás da ruiva.

— Senhorita, sei que cuidará bem do manto branco. — ele queria passar a pelagem para Elisa.

— Não dou a mínima para esse casaco, idiota! Mas você vai ficar aqui!

Natan e Gael assumiram o controle da cabine. John e eu nos sentamos.

— Preciso ajudá-la! — Ramon continuava desesperado.

— Você precisa ficar comigo! — e dessa vez a loira conseguiu a verdadeira atenção do aprendiz.

Lá fora, Selva se desculpou com o eremita.

Desculpe pelas... baixas. — ela olhou as criaturas mortas ao redor.

— O ganho foi maior. — Zain cobiçou a ruiva. — Em breve será igual a mim.

— Não. — senti medo do sorriso dela. — Nunca serei igual a você. Você é o abismo. Eu sou a filha da lua. Uma raposa, também. Traiçoeira e ardilosa. E não gosto quando essas coisas são usadas contra mim.

Ambos começaram a girar em círculo, encarando-se mutuamente. Um olhar devorando o outro. Selva com o cajado firmemente seguro. Tenho certeza que precisariam arrancar o pulso junto, mas ela não largaria aquele bastão. A parte ruim é que ninguém lá fora hesitaria em fazer isso.

Está resistindo bravamente à mutação, mas em breve sua mente se curvará à minha.

Selva deu uma gargalhada tão profunda e tão sinistra que me fez arrepiar.

Eu nunca me curvo.

Ela não era muito de diversão e senso de humor. Na verdade ela não sorria e agora estava gargalhando, totalmente à vontade naquele ambiente sombrio.

E nunca... nunca perco! — a luz da estrela pulsou. O avião começou a se mover. — Tem muito sangue aqui, não?

Sangue? — Elisa e Ramon falaram ao mesmo tempo.

O chão lá fora estava coberto da gosma escura que escorria do corpo dos bichos. Elisa deu um pulo e gritou:

— Velocidade máxima! Velocidade máxima!

O que ia acontecer? Voltei a olhar pela janela. A raposa rugiu com um canto de fúria e vitória.

Queimarei uma cidade inteira antes de cair!

Com uma rajada da mão, o rastro flamejante de fogo rasgou o ambiente em dois. As bestas atacaram ao mesmo tempo, defendendo seu progenitor. O avião ganhou o ar e os corpos lá em baixo se chocaram. O bum da explosão fez tremer o ar.

Sangue. O sangue deles era alcoólico. Aquela gosma foi usada na fogueira da campina. O que acontecia quando se ateava fogo à gasolina? O incêndio lá em baixo lambia tudo, alimentando-se ao invés de morrer.

A dor no jovem aprendiz era tangível. Aquele manto branco pesaria toneladas a partir de agora. Eu o vi amadurecer décadas em apenas alguns segundos.

O avião entrou em uma turbulência e sacudiu com vigor.

— Não vamos morrer agora, não é mesmo? — John reclamou com os pilotos. — Em uma simples queda de avião. Seria tão inútil.

— Sabe fazer melhor, seu idiota?! — Gael apontou a cabeça para fora da cabine. — Por que você não vem para cá e eu fico aí fazendo companhia para ela? — John não respondeu. — Não?! Então cala a merda dessa boca!

O mundo no abismo da noite eterna estava tomado por amarelo, laranja e vermelho, e o nosso grupo ia ficando cada vez menor.

— Eu achava que a fantasia e os contos de fadas seriam mais carinhosos. — ouvi a voz do guardião ao meu lado e isso me fez sorrir.

— Bem-vindo ao clube.

Um minuto de silêncio pela ruiva?

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Um minuto de silêncio pela ruiva?

Ramon está por conta própria agora, e o número de mortos, aumentando. Será que dá pra pousar esse avião em segurança?

Nos vemos semana que vem. Monte de bjos!

Noite Sombria | 3Onde histórias criam vida. Descubra agora