Capítulo LIX

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Faruk Baixa e caminha com tristeza, gotas começam a pingar. Chuva. Dor e tristeza.

Olho para ele e ele passa por nós indo até o corpo de Gael. Me levanto e caminho para perto de Faruk. Ele se abaixa ao lado do corpo e dedos trêmulos tocam o corpo frio. A chuva é intensa.

- Meu irmão... - soluço enquanto ele profere as palavras. - Meu irmão! Perdão! Por não ser capaz de cuidar de você e te salvar na hora que você precisou de mim... Que péssimo guardião sou. Coloquei meu povo em perigo. Coloquei os que amo em perigo. - me ajoelho ao seu lado e vejo a face pálida de Faruk en uma careta terrível de dor. Ele aperta o maxilar e fecha os olhos. Ele ofega e abre os olhos rosnando. Ele puxa o corpo para mais perto e o abraça. Sofro com ele. - Por que?! - ele grita. Uma doce voz melancólica, triste, pesada, grave e rouca. Sofrida. Abalada.

Ele solta o corpo. A chuva começa a lavar o sangue em nós. Passos em abundância se ouvem. Os sobreviventes caminham para perto. Apoio uma mão em seu ombro e ele se vira me abraçando. Me agarro a ele. Estou nua, sem traços do fogo, mas nem mesmo esse detalhe importa desde o momento que meus rapazes se foram.

Ele me cobre com as asas e choro em seu pescoço encharcado. Sinto minhas células cansadas. Meu corpo em descaso. Ele se afasta com os olhos negros brilhando com lágrimas. Ele puxa a camisa e coloca a mesma em mim. Cobrindo minha nudez. Soluço. Ele volta a me abraçar e suspira.

- Perdão minha doce Ada... - ele sussurra e me aperta. - Me perdoe. - assinto e choro mais contra seu ombro. Assinto.

- Precisa apagar a memória desse povo, não deixe que vivam em meio ao sofrimento, apague de todos meu bem, menos do rei louco. Pode fazer isso?! - pergunto com incerteza e dor. Ele assente. Suspiro e choro sentido.

Não sei quanto tempo se passa, mas Faruk se levanta e me coloca no colo, aninho minha cabeça em seu peito e fecho os olhos. Não há outro lugar que eu queira estar nesse momento. Vivo a dor da perda com excelência suprema em viver com todo o meu ser.

Vento cruza meu rosto e sei que estamos no ar. Me aperto contra ele e deixo as asas soltas descansando. Abro os olhos quando pousamos. O cheiro de sangue ainda é forte em meu nariz, mas a chuva já lavou muito do que tinha.

Olho ao redor e vejo que estamos na frente do castelo.

- Ei! Covarde! - Faruk grita. Olho para Faruk e ele parece mais belo ainda com a chuva caindo. Ele aperta o maxilar e olho para frente. "Rei louco... " O peito de Faruk infla. - Sua guerra acabou! Limparei sua sujeira e Farei com que pareça que essa guerra ainda é de Hector! Limpe o restante e cale sua boca. Darei a fertilidade a sua mulher! - a voz de Faruk é uma mistura de dor, ele está quebrado e sua voz também. Ele me aperta - Levarei meu único homem que sobrou! Ele será enterrado com dignidade em seu lugar. - Faruk engole seco.

Me movo e Faruk Olha para baixo e me põe no chão. A chuva cai com gosto. Não tenho mais lágrimas para chorar. Estou anestesiada pela dor.

Olho para o rei e arrumo a camisa que fica pouco abaixo do meu bumbum. Ele parece assustado.

- Entrem. Descansem. Emitirei uma mensagem para que mulheres e crianças retornem. Amanhã sepultarei com minha mulher aos mortos, Obrigado. - Olho para Faruk. A chuva cai, mas seu rosto é ilegível. A dor é expressada na chuva densa.

- Assim será. - Faruk continua olhando para frente e agarra minha mão. Caminha e o sigo. Caminhamos para o castelo. Passamos pelo rei louco e entramos no salão sujo. Faruk abre a porta negra e passamos ao corredor dos quartos. Entramos no quarto que estávamos ele fecha a porta. Solta minha mão e puxa a camisa. Fico nua novamente. Ele segura minha mão e me aponta a cama. Assinto. Me sento e ele busca no bolso por algo. Retira uma pétala amassada e velha e me estende.

- Tome. - pego a pétala. Ele se abaixa e fica de joelhos na minha frente. Coloco na boca e fecho os olhos engolindo. Ele acaricia minha coxa. - Boa menina. - abro os olhos e sinto meu corpo inerte a tudo. - Sei que foi muito, sairei e retorno com água quente para a banheira. - assinto. Ele suspira e se levanta. Sai pela porta e a fecha. Olho ao redor. Lembro de toda a guerra. Suspiro e sinto uma fisgada no peito, levo a mão ao peito e aperto.

"Dói..." A dor da perda pode ser tão forte que chega a ser física. Não me movo.

Me perco em pensamentos e me afogo em minha própria tristeza. Lembro das broncas de Gael, Dos chiliques de Arthur, da raiva de Drogo. Meus meninos... Mortos... A tempos não sentia essa sensação de luto. É dolorosa.

Lembro-me que vivi a perda de papai, mamãe, dona coruja... E agora deles. Perdas. Meu mundo gira em torno de perdas. Grandes e irreparáveis perdas.

Todos deveriam saber que perder é triste, mas como fazê-los notar? Como mostrar aos outros que perdas tem que ser evitadas, pessoas tem que ser valorizadas.

Perdas.

Perder não é ganhar, Ágatha está errada, perder é perder de qualquer jeito. A única coisa que nos resta de uma perda é a saudade. Uma saudade doída. Profunda. Amarga.

Não é bom estar entre os que perdem. Minha única alegria de tanta tragédia é saber em meio a todo o caos ainda reina a paz.

O silêncio.

Porém tal silêncio agora é como um grito ensurdecedor de dor. O silêncio nunca foi tão ruim quanto agora. O silêncio nos faz lembrar do por que sofremos.

Do que adianta viver todos os dias se no final vamos morrer? Do que adianta !?

Olho para minha barriga.

- Mamãe fará de Pearl um lugar melhor ... Como prometi, agora dobro minha promessa. - digo.

FARUK II - A Rosa VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora