KARA I

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Kara estava parada entre duas grandes árvores. Podia sentir o frescor dos ventos batendo em sua face, o cheiro do orvalho fresco da mata entrava em suas narinas e invadia seu pulmão. Tentava sentir a presença de seu oponente, mas este parecia inexistente. Fechou seus olhos para poder se concentrar mais, passou a ouvir o farfalhar das folhas o assobio leve do vento. Podia até mesmo ouvir os passos dos pequenos insetos na grama, mas não sentia nenhuma presença. Respirou fundo, apertou os olhos e se concentrou mais, tudo parecia silêncio com exceção do barulho da floresta. Esvaziou sua mente de todo pensamento, deixou seu corpo agir por instinto. Sua memória muscular controlava seu corpo e agiu da maneira que seu mestre tinha lhe ensinado. Foi aí que finalmente escutou o bater sereno de um coração. O som era baixo, mas ela sabia que estava ali. O bater do coração vinha da sua esquerda, cerca de trinta metros acima, talvez da copa de alguma gigantesca árvore Agritoriana.

Kara concentrou a energia de seu corpo, podia sentir o formigamento que vinha de dentro de si espalhar pelas extremidades de seus membros. Passou a direcionar sua energia interior, acumulando-a nas palmas de suas mãos. Começou a sentir um calor nos dedos e em instantes, toda sua mão ardia por causa da força. A garota sentiu este mesmo impulso abandonar a sua própria matéria pelas mãos e se acumular ali formando duas esferas gêmeas de energia.

Ela flexionou os joelhos e levemente girou seu corpo em direção ao som. Kara respirou fundo, juntou as mãos que carregavam as esferas energizadas de forma que ao se chocarem, fundiram-se e tornaram-se uma esfera ainda maior. A garota então juntou toda energia restante de seu corpo, deixando apenas o necessário para ficar viva, expulsando todo excedente para fora. Abriu os olhos e lançou. Viu a esfera que se formara abandonar suas mãos e seguir em direção à copa da árvore.

Em questão de segundos, talvez menos do que isso, a bola de energia atingiu o à copa do gigantesco pé de Agritoriana e houve uma explosão de luz. Galhos caíram em chamas na grama e um barulho ensurdecedor ecoou. Uma cortina de fumaça tomou conta da parte mais alta da árvore milenar de forma que Kara não conseguia ver o que estava acontecendo lá em cima. Forçou as vistas para tentar ver algo, mas a fumaça impedia. Foi então, que de repente, sentiu um calor atrás de si. Tudo aconteceu em menos de meio segundo, antes que ela pudesse se virar sentiu um golpe forte nas suas costas e seu corpo foi arremessado indo em direção a árvore em chamas.

Kara viu a grama abaixo de si passar a rapidamente, enquanto seu corpo voava devido a pancada. Girou-se no ar voltando a tocar os pés no solo com o corpo ainda em movimento. Deixou marcas no chão por onde foi arrastada por mais alguns metros antes de parar a poucos centímetros da árvore.

– Você conseguiu me achar, mas demorou demais para atacar – Disse o homem à sua frente. Seu nome era Turtle e ele era mestre de Kara. Era um ser muito alto, media dois metros de altura além de ser extremamente musculoso. Seu corpo era muito diferente do de Kara, não apenas por ser um macho da espécie, mas também por ser de uma raça completamente diferente. Ao contrário de Kara que possuía uma pele caucasiana, o ser a sua frente possua uma pele num tom esverdeado, se é que aquilo poderia ser chamado de pele. Ao invés de ser macia como a dela, a dele era escamosa. A diferença não parava por aí, pois os olhos dele eram ambos num tom amarelado e sua retina era em formato de fenda como a de um felino. Não tinha cabelos em sua cabeça, ao invés disso, possuía duas pequenas antenas feitas do mesmo material de sua escamosa pele. O homem deu um sorriso e Kara pode ver os seus pontudos caninos, que com certeza eram maiores do que os de sua espécie.

– Você precisa me dizer como ter esse tamanho todo e ainda conseguir ficar imperceptível – Disse Kara com um sorriso no rosto.

– Por hoje é só, mocinha. Você fez um grande progresso conseguindo sentir minha presença. É preciso esvaziar à sua mente, deixar seu instinto agir e assim poderá me detectar e atacar facilmente

– Mas eu fiz isso, esvaziei minha mente e aí consegui sentir você. Só não consegui fazer todo o ritual para lançar energia antes de você se mover. – Exclamou à garota.

– Isso é porquê você parou de agir com instinto quando me detectou, passou a pensar no que fazer para lançar energia e isso lhe fez ficar lenta. Tentaremos novamente amanhã.

Kara permaneceu o caminho de volta para casa em silêncio, estava muito pensativa ultimamente. Naquela noite completaria dezesseis anos e nesse tempo todo de sua existência, poucas informações tinha sobre si mesma. Não sabia direito o porquê era diferente de seu mestre. Não que quisesse ter a pele escamosa e antenas como ele tinha, mas sentia falta de saber mais sobre quem era. Ela o questionou várias vezes sobre sua origem, mas Turtle sempre dizia que era cedo demais para ela se preocupar com sua aparência. Ela por vezes achava que era uma humana como os gêmeos Suki e Soka, devido à sua grande semelhança com eles.

Assim como Kara, Suki e Soka tinham a pele feita de material parecido, embora a deles fosse negra. Os gêmeos também possuíam cabelos, e apesar dos de Kara serem mais lisos e os dos gêmeos serem mais crespos, era difícil ela não se animar com mais esta semelhança. Tinha outros pontos onde Kara se achava parecida com eles. Como por exemplo, o formato da arcada dentaria e a cor da língua que era num tom rosado, diferente do tom roxo da língua do mestre. Kara também reparara que conforme os anos iam passando seu corpo mudava um pouco, principalmente com o fato do crescimento dos seios. Este fenômeno aconteceu também com Suki, mas não aconteceu com Soka. Segundo o mestre Turtle, a maioria dos machos e fêmeas tem mudanças diferentes no corpo.

Apesar das várias semelhanças com os gêmeos humanos, Kara sempre foi ensinada por seu mestre, que eles, eram de uma espécie diferente da dela. – Olhe seus olhos no espelho minha querida – dizia o mestre. Ao olhar Kara sempre via que nas suas órbitas oculares sempre se encontravam duas esferas brancas, seus olhos. Diferente dos humanos que tinha os olhos mais parecidos com os de seu mestre, apesar da cor e da retina em forma de fenda, os de Kara eram apenas duas bolas completamente brancas. Segundo ela sabia, isso era uma característica de sua raça, mas isso era apenas o que sabia sobre os seus.

Depois de alguns minutos de caminhada, Kara e Turtle chegaram ao que chamavam de casa. Diferente das casas dos Agritorianos, os nativos daquele planeta, que eram construídas de pedra sol, a casa onde vivia com seu mestre era toda de madeira. Nela não tinha piso, ao invés disso pisavam na terra mesmo. Segundo seu mestre, a conexão da matéria nua com o solo era essencial para canalizar de forma natural a energia do todo o planeta para seu corpo.

Após entrarem, Kara foi direto para o banho. Turtle se limpava na cachoeira que tinha ao fundo da casa, rotina que Kara compartilhou por alguns anos até notar as primeiras mudanças em seu corpo. Após isso, por algum motivo, passou a se envergonhar mais de sua nudez e embora o mestre não estivesse presente no momento de seus banhos, Kara passou a preferir um lugar mais reservado para se limpar. Conversou com o Dr. João Mark, pai de Suki e Soka e pediu para que ele construísse algo parecido com o seu quarto de se banhar. – Se chama banheiro Kara – ele disse sorrindo quando à garota fez o pedido.

Dr João foi prestativo ao concordar em construir um banheiro para ela, desde que o Mestre não fosse contra. Kara voltou naquele mesmo dia correndo para casa e com jeitinho pediu ao mestre autorização para ter um banheiro.

– Os de sua raça também tinham esse costume, acho que não fará mal se você também tiver um quarto de banho. – Disse Turtle consentindo com o pedido de Kara.

Kara sentiu um desejo de questionar mais sobre sua raça já que seu mestre tinha tocado no assunto, mas decidiu nada dizer para evitar enfurecer Turtle e correr o risco de ele voltar atrás na questão do banheiro. Cinco dias depois o lavabo estava pronto, era praticamente uma cópia do que tinha na casa dos humanos e isso de alguma forma a deixou extremamente feliz.

Kara se pegou lembrando desse dia, enquanto à água quente escorria pelo seu corpo. No meio a outros pensamentos, surpreendeu-se olhando no espelho e observando seu corpo nu. Esperava encontrar alguma resposta sobre si mesma observando sua matéria, mas como antes, não encontrou. Desistiu mais uma vez, terminou seu banho e se vestiu.

As Crônicas da Ordem e do Caos - A batalha pelo universo (Livro Um) [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora