As cinzas nuvens que se formavam ao longe se aproximavam lentamente, ameaçando desabar sobre as milhares de cabeças nas ruas da cidade. Pessoas apressadas, que iam e vinham de seus afazeres, todas alheias a tempestade às portas, que vinha para ficar, passavam indiferentes ignorando o que não lhes beneficiariam.
Em um carro, numa daquelas muitas ruas, Willian encarava o semáforo vermelho, a melodia de "Icarus" junto à voz melancólica do cantor passeava pelo carro mórbido; mesmo com batidas rápidas, a essência da música combinava perfeitamente com a presente situação e não ajudava muito, pois ainda estava em clima de término. Mesmo que, de fato, não sentisse muito pelo fim do relacionamento romântico, Willian sentia muito pelo relacionamento como um todo, afinal sabia que a amizade que antes tinha com Érika jamais seria a mesma.
À frente o sinal abriu e o garoto prosseguiu em seu caminho, quieto e pensativo. Não muito tempo depois a estrada de terra enegrecida que levava de volta ao St. Louis era tudo o que tinha a sua frente e pensar que estava voltando ao mesmo lugar que a garota, não lhe deixava tão mal como deveria, pois sabia que um certo alguém também estaria lá. O garoto estacionou seu carro como o habitual e percebeu que o carro de Érika já estava ali; realmente não queria dar de cara com ela logo após o rompimento, mas não podia simplesmente se esconder pelo resto do ano, afinal ainda estudavam no mesmo lugar, então apenas baixou a cabeça e caminhou em direção ao alojamento.
Os arredores do lugar continuavam vazios e o céu nublado deixava o colégio, já sem vida, ainda mais pálido que o normal, até mesmo as árvores amareladas ao longe pareciam mais sem cor do que o que já estavam com o céu pardacento ao fundo. Os galhos balançavam deprimentemente e de forma tristonha para lá e para cá, derrubando a folhagem velha, seguindo o fluxo forte do vento; a brisa gélida do final do Outono lhe acariciou as bochechas e os cabelos, bagunçando-os livremente. Willian encarou o bosque sentindo as lembranças tomarem conta de sua mente. De certa forma, sentia-se nostálgico, sentia falta de seu avô e da casa da fazenda, do céu estrelado e das árvores verdes que produziam um ar fresco e agradável à noite.
As muitas árvores dali, belas, porém frias em seus tons dourados, lhe faziam lembrar-se de alguém. O cenário do bosque dourado era incrivelmente belo, porém sua beleza emanava uma certa frieza, quase uma tristeza profunda, esculpida e pintada entre suas muitas folhas, e talvez fosse isso que deixasse a paisagem tão incrivelmente bela.
Por um segundo um sorriso difuso — quase esquecido — piscou por trás das pálpebras do garoto e então olhos infantis, dourados e taciturnos, encarando um livro velho e sem graça enquanto o pequeno corpo repousava sobre a janela de um sóton escuro, pálido como um fantasma, com uma aura distante mais triste e solitária que qualquer coisa que Ethan já tinha visto. O tempo correu e já não era mais uma criança que lhe encarava e sim íris frias e impregnadas de ressentimento em um rosto inexpressivo quase desumano; agora só existia aquela voz sarcástica e arrastada e o sorriso debochado acompanhado de um olhar distante e indiferente, congelado e completamente desprovido de emoções, vazio.
No fim, tudo o que lhe restou foi a dor por trás de tudo aquilo, e no fundo, saudade da relação que fora perdida pelo caminho, da convivência abalada pela falta de confiança, mentiras e mágoas. Tudo o que restara fora raiva e ressentimento de tudo aquilo e aqueles sentimentos vieram com um gosto amargo na boca do garoto naquele momento, porém não podia mentir para si mesmo dizendo que não restava mais saudades do passado, quando tudo era mais simples e ainda tinha alguém para chamar de irmão.
Honestamente, era algo como melancolia ou a tristeza pura de uma criança que perde seu brinquedo favorito. Nem entendia realmente do que sentia tanta falta, afinal já fazia tanto tempo e já haviam passado por tantas decepções e desavenças dolorosas que ele tentara esquecê-lo e agora quase não lembrava mais como ele era, qual o som de sua risada, das covinhas se formando quando ele sorria, exatamente como as suas próprias, ou como seus olhos brilhavam, mas sabia que sentia algo e sequer conseguia explicar aquele misto de emoções que lhe atacavam sempre que pensava em seu irmão e no passado. Só queria ser capaz de esquecê-lo de uma vez ou ao menos conseguir odiá-lo de verdade, mas Willian era tão patético que nem nutrir ódio de verdade pelo garoto conseguia, talvez tivesse medo, só não sabia ainda de quê.