O chuvisco de mais cedo havia se transformado em uma tespestade ao chegar da noite e caía com fúria lá fora tamborilando no teto e chicocheteando nas janelas de vidro da grande casa senhorial vazia. Os ecos que fazia dentro dos cômodos só deixava ainda mais óbvio o vazio e o tamanho do lugar. Willian cozinhava tranquilamente um acompanhamento simples para beber com um bom vinho da coleção do pai. Iria aproveitar que estava só para fazer algo que geralmente não fazia: Beber.
Aquilo era, em parte, por estar preocupado demais com Ethan e o que havia acontecido na noite anterior, então só queria beber e dormir em paz. Desligou o fogão e levou a vasilha até a mesinha no centro da sala, próximo ao confortável sofá, sentou-se e se serviu de uma boa taça de vinho, mas antes que pudesse sequer encostar a taça nos lábios, a campainha soou ao longe. Com um estalo na língua, o garoto se ergueu e foi atender se perguntando quem no mundo estaria do lado de fora em uma tespestade daquela.
Entreabriu o portão sem cerimônia e seu sangue gelou, seu corpo se arrepiando como se tivesse sido banhado em álcool. Parado ali, completamente encharcado, estava Ethan Fitzgerald em pessoa. Tinha o rosto muito corado do frio, os olhos inchados como se tivesse andado chorando, e seu corpo tremia muito forte. Ele tinha o olhar perdido, como se não soubesse exatamente onde estava. Will abriu o portão por completo e o encarou ainda estarrecido e só então o olhar do garoto entrou em foco.
Mas assim que aconteceu, ele assumiu uma atitude defensiva, parecia prestes a correr dali e antes que pudesse fazer isso, Will tirou a toalha que tinha ao redor do pescoço - tinha colocado ali para enxugar os cabelos após o banho e tinha acabado esquecendo - e a pôs em sua cabeça, o garoto mordeu o lábio e encarou o chão e sem dizer nada, Willian o puxou para si, o abraçando com força e o puxando para dentro delicadamente.
Ethan estremeceu sob seu toque, mas não reclamou, então se deixou ser conduzido até o sofá, onde Willian o sentou e saiu para pegar roupas secas - voltou um momento depois trazendo um roupão. Já que sabia que suas roupas não caberiam no garoto, o mandou usá-lo para se trocar após tomar um banho quente e o esperou na sala. De repente o vinho não parecia mas tão convidativo, ou era apenas que não confiava em si mesmo bêbado sozinho com o garoto. Ethan voltou um momento depois, já tomado banho e de roupão, sentou-se ao seu lado muito quieto e ainda sem lhe olhar.
- Você quer falar sobre isso? - Silêncio. William suspirou. Daquele jeito não chegariam a lugar algum. Aproximou-se do garoto e ergueu a mão tocando-lhe o rosto, com um longo dedo ergueu o seu queixo o fazendo olhar para ele. - Você pode me contar, eu vou te ouvir. E se você não quiser responder a nenhuma pergunta, então eu não perguntarei. Só quero que você confie em mim para contar o que está acontecendo, só isso. - o garoto lhe encarou por um momento e então falou.
- Minha mãe está doente. Foi diagnosticada com Alzheimer no início do ano, mas eu só descobri hoje. - Willian engoliu em seco, aquilo havia lhe pegado de surpresa, então não soube o que responder - Como ela pôde olhar para mim o ano todo e fingir que estava tudo bem? Aparentemente todo mundo sabia, menos eu.
- Ethan... Talvez ela só estava tentando te proteger para não te machucar antes do tempo.
- Me proteger? Eu não preciso disso! Eu só queria que ela tivesse sido honesta comigo, como sempre foi. E agora eu me sinto um completo idiota me preocupando com coisas tão triviais enquanto a minha mãe definhava em casa com aquele... Idiota cuidando dela.
- Talvez ela só estivesse esperando o momento certo...
- O momento certo? Sério? E quando seria isso, quando um dia eu chegasse e ela já não se lembrasse de mim? - e então o garoto parou. - Por que coisas ruins só acontecem a pessoas incríveis? Por que não podia ser meu pai no lugar dela? O que eu vou fazer quando chegar ao ponto em que ela não se lembrará nem mesmo o meu nome?