27 - Inquietações e Dúvidas

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Ethan sentia o peso do clima como sacos de areia sobre seus ombros. Não conseguia tirar os pensamentos do que tinha acabado de acontecer. A voz arrastada e baixa, quase sensual, que falou com Willian como se estivesse verdadeiramente satisfeita em nada combinava com a forma como o garoto tinha se comportado. Diferente da pessoa que havia falado com eles, Willian parecia extremamente perturbado. Mesmo enquanto caminhavam de volta para a casa ele parecia perdido em pensamentos, tão alheio ao ambiente ao seu redor que sequer percebeu quando a fina chuva começou a cair. O garoto olhou para cima e através das folhas das árvores viu o quão escuro o céu estava e quando finalmente chegaram a varanda da casa, que brilhava em luzes amarelas aconchegantes, já estavam completamente ensopados.

Ethan observou Willian atentamente percebendo que ele parecia agitado, exatamente como tinha ficado mais cedo ao sentar na mesma mesa que sua mãe. Não conhecia aquele tal Matthew, mas ele tinha chamado Willian de “irmãozinho”, porém pela cara que Willian fazia, aquilo não parecia ser uma simples briga de irmãos. O garoto não parecia ter qualquer intenção de explicá-lo a situação e por algum motivo, aquilo lhe deixava muito desconfortável, quase magoado. E talvez fosse porque toda a situação deixava muito claro que ainda havia uma distância gritante entre os dois, coisas as quais não sabiam do outro e que não eram tão facilmente jogadas de lado com amor.

Ethan adentrou a casa logo atrás de Willian e o viu parar bruscamente. Acompanhou seu olhar percebendo o homem sentado a um canto na grande sala. O Sr. Clifford folheava um grande livro de aspecto antigo com uma capa gasta de couro preto, parecendo melancólico e saudoso. O homem estava sentado em sua cadeira de rodas, exatamente no mesmo local e com aquela expressão de quando chegaram ali. Antes que pudesse parar, Ethan se viu agarrando a mão de Willian e caminhando até o homem. Sentiu-o apertar sua mão tentando impedi-lo, mas continuou em frente até o homem lhe ver. Este ergueu os olhos e por um momento — menos que um segundo — seus olhares se encontraram e Ethan não conseguiu dizer nada, até que o homem quebrou o silêncio.

— Olá Sr. Fitzgerald, Willian… Já está bem tarde, posso saber por que ainda estão aqui? — o homem os encarou com olhos bondosos e sorriu amigavelmente lhe desconcertando.

— A-Ah... hum... M-Me desculpe estar sendo intrometido, senhor. É só que fiquei curioso sobre o livro que você lia, já que parecia lhe entreter tanto... Gostaria de pedir o nome pra que eu possa lê-lo também, gosto de ler. — Ethan se viu sorrindo ao perceber que aquele homem era a primeira pessoa com a qual se sentia confortável de conversar abertamente sobre seus gostos, mesmo com tão pouco tempo de convívio.

— Haha, tudo bem. — o homem falou parecendo alegre por compartilhar aquela informação e gesticulou com a mão os pedindo para se aproximarem mais um pouco — Este não é um livro, na verdade é algo muito mais precioso. É minha história de vida e a única coisa da qual me orgulho.

Ele virou-o e abriu na direção dos garotos, Willian se inclinou e pegou o conteúdo folheando-o e Ethan se aproximou fitando uma série de fotografias, algumas tão antigas que ainda estavam em preto e branco ou sépia, já outras mais atuais, já coloridas, porém todas muito únicas e de momentos incrivelmente felizes em família. O garoto ergueu as sobrancelhas percebendo que, na verdade, se tratava de um álbum de fotos. Eles folhearam juntos as páginas, enquanto o homem relatava os momentos em que cada foto fora tirada, até que algo chamou atenção de Ethan. Ali havia a mesma foto que ele havia visto no quarto de Willian: a foto de algumas pessoas reunidas perto de um lago ao lado de uma grande árvore. O homem suspirou e após os observar começou a falar.

— O que você diria se eu lhe dissesse que às vezes fico feliz por estar morrendo, Sr. Fitzgerald? Você me acharia uma má pessoa por isso? Egoísta? Ou Simplesmente louco? — Ethan engoliu em seco a pergunta do velho homem, na verdade não sabia o que dizer diante daquelas íris tão incrivelmente tristes que lhe observavam atentamente como se pudessem ver sua alma.

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